05.MINTAKA

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Outra noite, querido, eu estava dormindo
Sonhei que tinha você em meus braços
Quando acordei, querido, eu estava enganada
Então eu abaixei minha cabeça e chorei

– You Are My Sunshine, Jonny Cash

VOCÊ NÃO FOI MAIS O MESMO desde que sua mãe morreu

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VOCÊ NÃO FOI MAIS O MESMO desde que sua mãe morreu. Na verdade, você tinha deixado de ser o mesmo a muito tempo.

No velório você passou a madrugada toda se culpando da morte dela, dizendo que você deveria ter se esforçado mais, ficado mais ao lado dela.

E eu pensava algo parecido, eu me torturava dizendo para mim mesma que eu precisava ter ficado ao seu lado, que era culpa minha você estar usando drogas que eu não exerci meu papel como namorada, muito menos como amiga.

Eu fiquei noites sem dormir. Você agora sempre que batia na minha janela estava bêbado, ou drogado, sempre falava bobagens, nós começamos a discutir diariamente.

Eu estava esgotada, eu não aguentava mais aquilo.

E você, estava pior ainda, seu pai havia voltado para sua casa e tinha levado outra mulher consigo, você passou a ser conhecido como o menino que perdeu a mãe e sem contar que agora usava todo o tipo de coisa.

Quando eu tentava conversar com você, você pedia para eu parar de ser chata, pedia para eu não incomodar, você se jogou no fundo do poço.

Mas eu não estava afim de desistir Evan, eu fui na sua casa numa noite, e quando vi que você estava sóbrio tive uma conversa séria com você a respeito dessas coisas.

Mas você só repetia que não estava viciado e que só usava umas coisinhas para se divertir. Você se negava a acreditar que estava doente, porque vício é uma doença.

Não foi só uma vez que eu tentei conversar com você, foram várias e cada dia que passava você se tornava mais arrogante e frio.

E então eu terminei com você.

Pode ser que tenham pessoas que achem que isso foi egoísta da minha parte mas deixe eu te dizer uma coisa: não existe atitude egoísta quando sua saúde mental está em jogo.

Nós deixamos de nos ver e eu tive que começar a tomar remédio antidepressivo.

Pra completar minha mãe começou a jogar na minha cara que sempre avisou que você não era boa coisa e que andar com você era como cavar a própria cova.

Sinceramente, eu não precisava ouvir aquilo.

E então Evan, passou o natal, o ano novo, seu aniversário e nós só se víamos de longe na escola, ou na rua, mas mesmo assim um não olhava na cara do outro.

E para completar a Cecilie, minha única amiga além de você, tinha se mudado para a Alemanha.

Foi a pior época da minha vida.

Eu só tinha quinze anos e estava passando por coisas que ninguém merecia passar, Evan, eu pensei em tirar a minha vida.

Não estou falando que foi por sua causa, porque sei que você estava tão ruim quanto eu.

Na minha cabeça a culpa de você estar mal era minha, exclusivamente minha, então eu faltava nas consultas que minha mãe tinha marcado no psicólogo, eu achava que não podia me dar o luxo de me tratar enquanto você se acabava.

E foi em uma dessas fugas do psicólogo que eu vi você, sentado na rua, com outros caras, todos drogados, inclusive você.

Você tinha raspado seus cabelos castanhos, seus olhos tinham olheiras fundas e roxas, sua pele tão branca quanto papel e você estava praticamente esquelético.

Não tinha nada do lindo e sorridente Evan que tocava minha campainha e saía correndo.

Quando você levantou seu olhar e me viu do outro lado da rua, suas sobrancelhas se ergueram e sua boca ficou entreaberta, mas seu olhar continuava frio e você só enfiou um cigarro na boca e olhou para o outro lado.

Lágrimas brotaram nos meus olhos e eu corri para a igreja da esquina e fiz uma prece com toda a minha fé. Eu pedi para Deus que te livrasse daquilo, que te colocasse no bom caminho de novo, pedi para que ele trouxesse meu Evan de volta.

Mas parece que seu destino já estava traçado Evan.

No bairro não se falava de outra coisa além de "Evan Hammond se tornou um viciado em drogas", "ele não quer mais nada da vida", "a juventude de hoje está estragada".

Eu não consigo imaginar, como era pra você ouvir essas coisas, as vezes as pessoas dizem coisas que não precisam ser ditas.

Todo mundo abre a boca para dizer que a juventude está estragada, mas será que alguém já olhou para os jovens? Já se perguntou por o que eles passam? Como eles estão?

As pessoas apontam o dedo quando tudo que  precisamos é que elas estendam a mão.

Naquela noite quando eu deitei minha cabeça no travesseiro, eu chorei, lembrando da gente, lembrando dos nossos momentos, da primeira vez que a gente brincou na rua, quando você me defendeu por causa das Maria Chiquinhas, a minha festa de quinze anos, o nosso primeiro beijo.

Eu me levantei e olhei as estrelas da janela, lembrei das nossas conversas, tentei até ler os nossos nomes, e quando olhei no fim da rua, vi que você olhava as estrelas também.

Nossos olhares se cruzaram e você entrou e fechou sua janela, eu fiquei até o amanhecer debruçada sobre a minha, com uma enorme vontade de bater na sua porta e conversar com você, te abraçar e pedir desculpas.

Se eu soubesse o que iria acontecer, eu certamente teria feito isso.

Escrito Nas EstrelasWhere stories live. Discover now