Eramos Treze

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Um Dos Treze

Gosto de pensar que o amor à sabedoria define a filosofia. Chego então a pensar que ao escrever minha autobiografia eu possa estar escrevendo algo filosófico. Porquê? Porque o modo como vivi, o que me moveu, o que acreditei e busquei estão presentes na historia da minha vida. Escrevo para deixar registrado a época, os costumes, as crenças, dificuldades , fracassos e vitórias  pessoais e familiares.
Deixo aflorar tudo que sempre esteve em minha mente.
A grande irmandade que éramos: Treze! Nove irmãos e quatro irmãs, contando comigo. Das meninas eu era a 2ª. Entre os irmãos todos eu era a 9ª
Vou relembrar como eram meus pais, irmãos e minha vida entre eles!
Meu pai serviu na guerra do Chaco como telegrafista. Finda a guerra ou talvez numa licença entre duas batalhas ele casou-se com minha mãe e foi trabalhar na construção civil. Ela casou-se aos dezoito anos, sem nenhuma qualificação. E eles iniciaram a vida. Ele desmanchou camisas, e juntos eles aprenderam a copiar os moldes em outros tecidos e ela começou a cortar e costurar.  Com treino e paciência ela aprendeu a costurar. Foi costureira de roupas de homens, por muito tempo. Depois ampliou seu oficio e costurou toda especie de roupas.
Uma vida pobre. Meu pai tinha uma característica que os ajudaram muito. Era uma pessoa de bem com a vida, bem humorado, brincalhão. Após a guerra, a profissão de telegrafista nao se adequava a vida civil e ele passou a trabalhar na construção civil. Fazia plantas de casas para um senhor, pegava construção de casas e era o mestre de obras, ou trabalhava mesmo de pedreiro. Com a familia grande, varios filhos , a vida era movimentada.
Vou aos meus sete anos, na cidade de Jardim, MS, Brasil.

Sr. Pedro, o Pedrinho está lá subindo pela ponte! Ele disse que vai atravessar o arco de um lado a outro!
Meu pai saiu correndo, a meninada toda atrás dele, minha mãe já chorando, o alvoroço estava formado.
Daí a pouco voltava meu pai com meu irmão e toda a molecada atrás comentando, aumentando ou admirando a "arte" feita por ele.
Minha mãe o mandava entrar, dando-lhe um sermão e mandando-o tomar banho e punha toda a plateia a correr, que fosse cada um para sua casa.
Meu irmão era meu ídolo. Eu com sete anos mais ou menos, outro irmão com uns oito e meio, minha irmã com dez e ele com doze anos.
Existiam os mais velhos, mas esses já não eram crianças, usavam calças compridas, fumavam escondido e iam com meu pai ao trabalho. Não se metiam com as crianças. Então o nosso núcleo era de quatro irmãos. O que um aprontava respingava nos outros. Nesse caso, ficávamos "pianinho", senão sobrava para nós.
Abaixo desse grupo tinha ainda os pequenos que nós ajudávamos a cuidar.
Mas o Pedrinho era a vida do nosso pequeno grupo.
Ele tinha a  condescendência de todos, a professora chamava  meu pai para o aconselhar, mas dizia que ele era ótimo aluno, embora fosse levado; o padre chamava minha mãe para conversar sobre ele, talvez se fizesse a primeira comunhão, se aquietasse mais; os irmãos mais velhos não se metiam com ele, e do nosso grupo ele era o líder.
Eu acho que isso passou a ser assim depois do acidente. Não sei.
Sim, porque houve um acidente horrível com ele e, por incrível que pareça, nesse caso não foi uma travessura, uma arte, um descuido. Foi um acidente mesmo.
Mas desde sempre ele era meu ídolo. Lembro-me bem de mim nessa idade, minha mãe me penteava os cabelos, partia ao meio e  fazia duas rodelas de cabelo de cada lado que ela amarrava com fitas, e eu usava uma jardineira, calça comprida de pernas largas, com bolsos e suspensórios, porque nas brincadeiras não faltaria subir em árvores, guardar bolotas nos bolsos, então era minha roupa do batente. Ele era franzino, nem parecia já ter doze para treze anos. Minha irmã mais velha também era das franzinas, e o outro irmão, e tinha outro irmão entre eu e ela. Só ali naquele grupo éramos quatro. Fora os amigos!
Quando minha mãe conversava com meu pai após todos deitarem, eu pensava o que falariam sobre nós, os filhos, mas eu sabia que visivelmente  o meu irmão era a alegria e a preocupação maior dos meus pais.
Aos treze anos mais ou menos ele montou uma dupla onde cantavam e tocavam violão. Teria uma apresentação no clube e os dois estavam inscritos, para se apresentar.
A escola toda lá, o frenesi dos organizadores, hora deles se apresentarem e cadê o cantor da dupla? Simplesmente ele viu o periquito da vizinha do clube que fugira e foi pegá-lo para entregar à dona e depois vir se apresentar. Veio, se apresentou e foi um sucesso. Não à toa ele era meu ídolo!

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