Minhas Leituras

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Não me lembro de ter lido Dostoiévski que foi considerado um dos maiores romancistas e pensadores da história, embora o título do livro Irmãos Karamazov e Crime e Castigo não são estranhos para mim. Li Kafka e só me lembro do inseto em que o personagem se transformou, uma barata, talvez?
Quanto a Nietzsche eu li alguma obra, mas só tenho como referência dele algumas citações que ainda  são atuais e isso me fez ter respeito por suas frases que mostram um eterno questionamento individual. Eu gosto disso. Acredito que muitos repetem "O que não me faz morrer me torna mais forte" sem saber que estão fazendo uma citação dele.
Gosto mesmo é do lugar comum, dos contos intensos como O velho e o Mar de Ernesto Hemingway, do livro O Crime do Padre Amaro de Eça de Queiroz, que causou uma polêmica entre meu pai e minha professora de literatura do curso ginasial.
Ele dizia: De onde você tirou esse livro para ler? Isso não é livro para menina da sua idade! Já vai devolver esse livro! E eu:
— Mas pai eu tenho que ler esse livro. É trabalho da aula de literatura! E ele; — Como? E dá-lhe um palavrão em espanhol. Fiquei quieta, né?
—Amanha mesmo vou lá falar com sua professora! Essas mulheres modernas vem da cidade grande e trazem ideias que  não cabem numa cidade pequena, como a nossa!
Não sei como foi a conversa, mas não terminei de ler o livro aos doze anos, só quando já era adulta.
Meu pai era um homem simples mas que prezava a cultura e em nossa infância e juventude não faltou as literaturas apropriadas: Nosso Amiguinho, Juventude Cristã, Seleções, os clássicos de José de Alencar e Machado de Assis e muitos outros. Também revistas como Manchete, O Cruzeiro e as de fotonovelas, que conseguíamos emprestadas.
Então quando me casei e nesse mesmo dia mudei-me  para outra cidade, morar com minha sogra, cujo estilo de vida era totalmente diferente do que eu vivera, eu perdi o meu referencial de vida.
Abateu-se em mim uma tristeza que meu marido não compreendia e que custou a passar.
Com um mês de casada recebi a visita do meu pai. Ele chegou, bateu palmas e quando saí a porta e o vi, nós dois nos emocionamos. Mas não tínhamos o costume de abraços nem beijos como hoje. Ele tirou o chapéu e, quando lhe pedi a benção, ao me bendizer deu-me um pacote embrulhado em papel pardo e me tocou nos ombros com as mãos dizendo que era um presente para mim.
Meu pai fez algo que me deu toda a força necessária para suportar a vida difícil de recém casada e terminou de forjar a mulher forte que ele criou e educou até a adolescência.
E isso não precisou ser dito. Ele sabia e eu vim a saber depois, a carga emocional do seu gesto quando li as linhas e as entrelinhas, do livro que foi o presente dado. Uma história de superação na figura da heroína do livro chamado A Exilada de Pearl Buck. Eu me sentia a própria exilada!
Enfim...
Admirei-me com a Pérola de John Steinbeck, na parte da "família", me identifiquei muito com As Três Faces de Eva que depois tornou-se um filme, não sei quem é o autor, mas que me fez entender que sim, eu talvez fosse uma mulher de muitas faces; e teve um livro provavelmente de Pearl Buck também, que era tão sutil em sua narrativa da vivência homem/mulher, que eu lia e relia espantada em como o autor ou autora, não lembro, soubera captar tão bem um sentimento que me era familiar. O sentimento de que em um átomo de segundo você se deixaria conquistar, mas o seu parceiro é tosco, ou avoado, ou o raio que o parta e, mais uma vez te perde e você segue sem nunca se entregar. São nuances, não há nada fático, mas eu encontrei isso num livro das centenas que eu li.
Óbvio que também me apaixonei pelos homens viris e perfeitos dos fast-food da época, como Julia, Sabrina, Rebeca e tantos outros.
Também quis ser as heroínas de Sidney Sheldon, lindas, inteligentes, bem sucedidas e independentes.
Em épocas difíceis fui a Pollyana de Eleanor H.  Porter com seu jogo do contente, e mais tarde sofri as agruras do livro Éramos Seis de Maria José Dupree.
Nunca li com a intenção de ser erudita, ser considerada uma expert em literatura.
Li para preencher minha mente e minha vida de outras vidas. Vivia o livro que eu estava lendo.
Ler é um vício e fatalmente você encontra os viciados. Desse modo você troca os livros, troca impressões, lê de novo, empresta, pega de volta, cria um mundo paralelo que é só seu.
Quando visitei a Livraria Ateneo em Buenos Aires, quando visitei a Casa do Rio Vermelho em Salvador, quando entrei na Casa del Pueblo no Uruguai e em tantos outros lugares que fazem menções a livros ou escritores eu sempre entrei com muito deferência e com o sentimento de que eu estivesse entrando  num templo.
Aí houve os longos anos de estudos e o livros ficaram para trás. Quando novamente fui me interessar por ler, eu achava tudo tão raso, ou eu que tinha ido fundo demais na vida, talvez.
Sei que passei a questionar: quem é essa pessoa que fala sobre casamentos sem nunca ter sido casada?
Quem está dando pitacos em criação de filhos, sem tê-los?
Sendo assim nao me rendi ao novo estilo de autores e livros de auto-ajuda, de tantos" Como ser isso ou aquilo", e não voltei a ler, como já lera um dia.
Tenho tempo, todo o tempo do mundo, pois estou numa fase da vida onde o prazer e felicidade intensas já ficaram para trás e a prioridade está  em viver bem e de forma saudável, cuidar do corpo e do espírito. Entre  essas atividades encontra-se o gosto pelos livros, desse modo estou recomeçando de forma leve, despretensiosa e curiosa a ler novamente.
E quando venço a preguiça e debruço-me sobre o papel, para contar da minha vida simples, mas vivida de forma intensa sinto que tenho uma perspectiva real de que minhas histórias de vida também possam vir a inspirar outras pessoas e eu continue escrevendo.
Enredos não me faltam! Quem sabe?

Vem Viver Comigo? AutobiografiaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora