-- Somos como irmãs.

-- Pode confiar em nós para contar o que quiser – Takako pôs a mão gentilmente sobre a dela.

Mikoto encolheu os ombros com o toque dela. Sua voz era quase um sussurro quando começou a explicar sua suspeita de ser da família de Yasha, e o que ela ordenara há pouco.

-- Ela disse que terminaria de destruir Iruka se eu não obedecesse – Mikoto começou a tremer – Mas não sei como posso ir nesse lugar. Nunca ouvi falar, não sei onde é, e tenho amanhã para partir.

Nesse momento as duas primas se entreolharam, ambas muito sérias, e Mikoto percebeu.

-- O que foi?

-- Ela disse para ir à última ilha? Exatamente assim que ela chamou? – Sayuri questionou.

-- Sim. Mas não sei que ilha é essa, porque Iruka é a última terra ao sul de Yamato – Mikoto percebeu pelo olhar que as duas trocaram que elas sabiam algo mais – Não é?

-- Não exatamente – Takako respondeu – Iruka é a última ilha habitada, mas ao sul há pequenas faixas de terra, pequenas demais para construir uma cidade, e a última delas não tem nome, camada só de "a última ilha", não apenas porque é a mais distante. É a fronteira entre nosso mundo e o mundo youkai.

-- Como?

-- Lembra quando te contamos sobre os youkai terem sido banidos para outro mundo? Outra dimensão?

-- Sim, e que ela podia ser acessada por um local secreto. É essa ilha?

-- Sim. Lá reside o portão que leva ao reino youkai, mas o encantamento que o mantêm fechado só pode ser desfeito por uma miko que detenha o poder de uma pérola.

Mikoto sentiu-se empalidecer. Agora tudo estava muito claro.

-- Yasha quer que eu vá lá para quebrar o encantamento e libertar os youkai.

-- Mas é claro que você não vai fazer isso – Sayuri disse incisivamente e Mikoto encolheu os ombros ainda mais.

-- Não quero fazer isso, mas ela...

-- Nós não deixaremos que ela faça mal à sua casa. Você precisa de um barco para chegar, então nós te damos uma carona, já estávamos indo para lá mesmo. Não é incômodo nenhum.

-- Vocês estavam?

-- Não havia muito mais o que fazer, dois dos pergaminhos estão seguros e os próximos ainda não estão prontos, e Yasha desapareceu de novo. Concluímos que devíamos verificar o estado do portão, e no caminho passar aqui para te procurar – Takako explicou.

-- Nós vamos para o portão, encurralamos Yasha e terminamos essa missão – Sayuri se levantou – Então é melhor irmos dormir.

-- Foi a frase mais sábia que você disse hoje – Takako falou impressionada.

-- Que nada, estou com sono mesmo – ela bocejou, pegou o braço de Mikoto e pôs algo em sua mão – Mantenha o celular com você daqui para a frente, está bem? Podemos precisar.

De manhã, Mikoto teve que explicar às amigas que precisava fazer uma última viagem com o clã e se despedir.

-- Eles não sabem o que querem? Numa hora te dispensam, na outra pedem que volte – resmungou Yona, balançando a cabeça em desaprovação. Mikoto conteve o riso com a mão.

-- Acho que dessa vez será mais rápido, posso voltar antes de as aulas começarem.

-- Quimono de novo? – Misaki indagou, olhando a roupa da amiga.

-- É o costume, acho.

Foi mais difícil se despedir de Megumi, que se dividia entre o orgulho pela neta estar ao lado do clã mais respeitado do país e a tristeza por ter que se separar dela outra vez após tão pouco tempo.

-- Por favor, tomem conta da minha neta – ela pediu à tripulação.

-- Vovó... – Mikoto gemeu, encolhendo os ombros, constrangida. Yukio e Hiro disfarçaram o riso e Sayuri respondeu:

-- Não tem motivo para se preocupar, ela tem o segurança mais disposto e leal que poderia pedir.

Ela apontou para Haku, já a bordo do Genbu. O rapaz acenou alegremente ao perceber que olhavam para ele. Takako avisou que era hora de partir.

-- Não se preocupe, Megumi-sama, Mikoto vai voltar exatamente como ela está.

Da mesma forma que Tamayori fizera, Megumi fez uma prece pela segurança da viagem quando o navio zarpou.

-- A sua avó é um amor – Sayuri cutucou Mikoto com o cotovelo, e a menina ignorou. Takako se aproximou das duas.

-- Sayuri está tentando dizer que ficou comovida como sua avó se importa com você – ela trazia a naginata de Mikoto – Achei que ia querer isso de volta.

-- Obrigada.

-- Com a ajuda do vento, chegaremos à última ilha hoje à noite, então voltaremos para Iruka em dois dias. Três no máximo.

O dia a bordo do navio passou rápido, e graças ao remédio para enjoo de Takako, Mikoto conseguiu comer. Haku não saiu do lado dela, como para compensar o tempo que passara longe.

Logo chegou a noite, e com ela a ansiedade para chegar à famosa última ilha, lotando o convés. Porém, não era possível ver nada no escuro, e o capitão precisou expulsar a tripulação de volta para seus postos. Ele prometeu ao ver suas expressões desanimadas:

-- Eu aviso quando chegarmos.

Mikoto ainda ficou depois dos outros saírem, com Haku a seu lado, é claro. A luz da lua minguante mal iluminava o oceano negro, realmente não seria nenhuma grande visão que os receberia quando chegassem.

-- Ouviu isso? – Haku olhou para trás de repente. Mikoto não escutara nada – Como um bater de asas, aqui pertinho.

Mesmo apurando os ouvidos e a visão, a jovem não distinguiu nada no escuro. Pegou uma lanterna pendurada na parede e apontou na direção que Haku olhava.

Era uma figura humanoide com asas negras nas costas, andando pelo convés como se farejasse algo. Mikoto gritou:

-- Youkai!

O alarme soou e os guardas ocuparam o convés novamente. O tengu levantou voo e pousou no mastro, a baixa visibilidade protegendo-o dos tiros. Com a naginata em mãos, Mikoto agora desejava ter participado do clube de arco e flecha também.

O tengu deu um rasante, mas não baixo o suficiente para ser alvejado, e repetiu isso várias vezes. Kurono estreitou os olhos para esse comportamento.

-- Ele quer nos distrair...

No meio de outro rasante, Haku agarrou o tengu pelo pé e o derrubou. Debaixo dos urros de incentivo da tripulação, ele socou a cabeça do gnomo repetidamente, depois o jogou por cima da amurada. Todos comemoraram, e só quando pararam de gritar, a voz de Kurono foi ouvida.

-- Abandonar o navio! Tem explosivos plantados!

Foi um caos. Todos correram para os botes salva-vidas numa tentativa de combinar organização e velocidade. Takako e Sayuri entraram no primeiro bote e Mikoto e Haku seriam os próximos, mas em vez de subir, o menino a agarrou pela cintura e arrastou para o outro lado do navio.

-- O que ele está fazendo?!

Yukio, Hiro, Kurono e metade da tripulação tentaram segurá-lo, mas Haku era mais rápido e forte, derrubando quando não conseguia se desviar, e em instantes subia a amurada. Mikoto se debatia, mas o braço de Haku parecia um aro de ferro envolvendo-a.

Aindacom ela, Haku pulou do navio, e quando ainda estavam no ar, o navio explodiu.Mikoto foi envolvida pelo brilho amarelado do fogo e o estrondo ensurdecedor,que a perseguiram depois de cair na água e afundar no abraço gelado e escuro dooceano.

O Conto da Donzela do SantuárioWhere stories live. Discover now