Prólogo

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                  A chuva caía forte. Tão forte e tão fria que eriçava os pelos da nuca de Nico. Mesmo assim, ele permanecia ali, esfregando insistentemente os braços por cima das mangas de seu casaco encharcado, enquanto protegia-se do temporal embaixo de um velho bordo vermelho¹.

Observava com dificuldade o outro lado da rua, de onde erguia-se um prédio comercial de cerca de vinte andares e cujas janelas espelhadas ainda encontravam-se iluminadas. O porteiro, a muito tinha substituído as recepcionistas e após isso, ninguém mais tinha saído pelas escuras portas duplas do saguão, deixando Nico ainda mais inquieto. Tinha sido o pior dia daquela semana e tudo o que esperava era poder vê-lo, uma vez que, apenas ele parecia ser capaz de lhe fazer esquecer temporariamente de como se sentia um completo fracasso quando esse tipo de coisa acontecia.

Nico sentia-se impotente. Impotente por todas as vezes que não conseguiu se defender sozinho de terceiros e muitas vezes, de seus próprios pensamentos. Quando a pressão era grande demais para suportar, recorria a única coisa que o fazia sentir-se verdadeiramente bem: Perseu Jackson.

Ele não fazia ideia de sua existência. Saía todos os dias às exatas seis horas, atravessava a rua e quase sempre parava para pedir um café numa confeitaria próxima dali. Tinha observado essas cenas por tantos dias com fascínio, que sabia que assim que o moreno mais velho dava a primeira golada em seu copo descartável, seus óculos exagerados imediatamente ficavam embaçados. Em seguida, chegava a parte em que as batidas de seu coração se aceleravam. O homem tirava delicadamente o objeto de seu rosto, depositava a valise entupida de papéis aos seus pés e limpava as lentes com exímia habilidade. Era um momento fugaz, mas o suficiente para que pudesse dar uma olhada ao redor e pousar os olhos no bordo vermelho, onde Nico sempre se escondia. O rapaz do outro lado da rua olhava para a árvore, mas Nico gostava de imaginar que algumas vezes ele o avistava com interesse, os intensos olhos verdes parecendo despir sua alma.

Nesses pequenos instantes, tentava guardar mesmo que seus mínimos detalhes na mente. O rosto sereno cujas marcas de sol deixavam as bochechas levemente avermelhadas e seus cabelos negros que normalmente pareciam despenteados. Como parecia odiar aqueles trajes, sempre afrouxando sua gravata e desabotoando a primeira casa de sua blusa social, em como aparentava estar sempre cansadob. E a boca. Duas linhas levemente preenchidas e róseas, úmidas e convidativas. Ela o deixava febril, a vontade de ceder aos beijos que nunca teria, o consumia. E então, os olhares se partiam. Nico, ainda atrás da árvore, suspirava, frustrado, enquanto o outro, o seu algoz, terminava de virar a esquina em direção do Upper East Side.

Nunca tinha se permitido a ir além. A ideia de apresentar-se sempre lhe soava como uma piada de mal gosto, embrulhando seu estômago. Também nunca o tinha seguido muito mais do que há alguns metros antes de, de fato, chegar ao Upper East Side. A culpa lhe fazia recobrar a razão, antes que os limites do correto fossem excedidos.

Odiava-se por isso. Odiava a si mesmo por ser tão fraco ao ponto de sujeitar-se a dependência de algo que não existia. Odiava também a Percy por não notá-lo. Como aquele homem podia brincar com seus sentimentos daquela maneira, sem nem mesmo conhecê-lo? Ele era a sua perdição. Era sua injeção de ânimo para enfrentar os dias difíceis e por isso, contentava-se em nutrir sua obsessão todas as tardes após a escola. Embora, o que lhe era concedido fossem apenas migalhas, sua paixão platônica ainda era, o que mais lhe confortava quando sentia-se vazio.

Nico alternou o peso entre suas pernas, impaciente. O crepúsculo cinzento daquela tarde chuvosa assombrando-lhe com sombras disformes conforme escurecia. Da última vez que tinha consultado seu relógio, fazia pelo menos uma hora que estava esperando e a não ser que Percy tivesse saído mais cedo, Nico tinha certeza de que ele ainda estava no prédio. Ele não costuma demorar tanto assim, pensou. Aquela observação o preocupou, fazendo-lhe morder a parte interna de sua bochecha em ansiedade.

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⏰ Last updated: May 31, 2020 ⏰

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