Distraída, encostei a cabeça no tronco da árvore, que por sorte tinha um espaço entre dois dos galhos que me cabia bem, e fechei os olhos. Se forçasse um pouco, eu conseguia imaginar tudo a minha volta num laranja vibrante e eu voltava à praça na frente da minha casa, brincando com meu pai.

Que saudades de quando...

— Sério? O outono? O inverno é bem melhor.

Arregalei os olhos. Era uma voz masculina, imponente e muito, muito próxima. Direcionei o olhar devagar para a raposa, a qual me fitava do mesmo jeito, mas agora estava alguns passos mais perto.

— Meu... Deus...

— O quê? Uma conversa é feita por duas vias, não é? Você não esperava que eu só ouvisse, certo?

Sim, a voz vinha dela, ou dele, não sabia mais, só que nem a boca o animal mexia, parecia uma voz reverberando ao meu redor. Eu perdi toda minha sanidade. Esquece o que eu falei de paz.

— Eu estou sonhando, só pode.

— Ei, isso é meio rude. Ou você não tem modos? — agora a voz tinha até um tom de sarcasmo. Por Deus, uma raposa estava achando graça de mim?

Eu não sabia pensar em mais nada, nem me mexer eu era capaz. O animal pareceu perceber e se aproveitou da chance para se aproximar, tanto que eu podia sentir sua respiração.

— Sobre o quadro, você vai mesmo fazer?

Parecia uma pergunta séria. Sem saber o que dizer, apenas assenti devagar, ainda de olhos arregalados e cravados na raposa falante.

— É uma promessa então. Qual seu nome? — engoli em seco — O gato comeu sua língua?

—Ka-Kaira Heather.

A raposa pareceu recuar de leve com a informação, e eu finalmente tive uma reação a mais ao franzir o cenho confusa.

— E-E você? — arrisquei.

— Acho que em breve você ficará sabendo. — a raposa olhou ao redor. Parecia desconfiada. — Eu tenho que ir. Até mais, Kaira.

— Espera! — antes que eu pudesse impedir, a raposa saiu correndo, levando consigo toda aquela energia que circundava as árvores. Depois de alguns instantes, meu cérebro pareceu assimilar mais ou menos o que tinha acabado de acontecer, e deu um único alerta ao meu corpo: CORRE!

Sem esperar mais meio segundo, me levantei e avancei de volta para casa, meu coração batia em meus ouvidos como se estivesse em um alto falante. Não parei até passar como um raio pela porta dos fundos.

— Kaira! Onde você estava? Eu estava te procurando. — Ivaar parecia pronto para sair, tinha até calçado as botas. Me senti um pouco mal por tê-lo preocupado.

— Desculpa, é que eu.. — respirei, sem fôlego — Eu vi uma raposa.

— O quê?

— Uma raposa. Lá na floresta. — completei com dificuldade e fui até a torneira pegar água. Por sorte, a porta dos fundos dava direto para a cozinha.

— Mas isso é impossível, eu já te disse que essa floresta não tem animais maiores que um esquilo. É como se alguma coisa ali afastasse todo o resto.

Depois de tomar um copo inteiro em três goladas, apoiei-me no balcão e encarei meu avô com seriedade.

— Eu acho que a raposa é o que espanta os outros.

Ivaar franziu o cenho e tirou a toca, e depois as luvas. Parecia meio intrigado, com um semblante de cansado também.

— Olha, não saia tão desesperada, ok? Durante o dia, você é livre para ir onde quiser, mas evite sair à noite e sem avisar, mesmo que não seja tão perigoso assim.

Quando cai a última folha ✓Where stories live. Discover now