Capítulo 2

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Destranquei a porta da frente e entrei devagar, sem fazer barulho.

Segurando minha sacola de compras junto ao peito, passei despercebida pela minha mãe e pela Rayane. Que estavam na cozinha fazendo o nosso jantar de véspera de Natal.

Minha mãe gritou:

- HELENA! JÁ TA EM CASA?

- TÔ SIM MÃE – gritei de volta.

Fui direto para o meu quarto, trancando a porta logo em seguida.

Uma coisa a meu respeito: eu amo desenhar.

Eu tenho vários kits de desenho e pintura, todos guardados no meu armário. Lucas não gostava muito que eu pintasse, porque eu sempre acabava sujando alguma coisa dele, já que a gente dividia o mesmo quarto.

Agora sou só eu e minhas pinturas.

Sempre que eu entro no meu quarto, eu tenho que encarar a cama do Lucas vazia.

E isso me doía muito.

Depois de pegar papel de presente no quarto da minha mãe, sentei-me na cama e comecei a embrulhar os presentes que eu tinha acabado de comprar.

Acabei pegando no sono, e só acordei depois com o barulho da campainha tocando.

Escutei a minha mãe abrindo a porta e falando com alguém.

Nem precisei me levantar para saber quem era.

Ítalo sempre falou alto, como se estivesse longe. O que eu achava esquisito, porque, quando ele tocava seu instrumento musical, parecia ser uma pessoa calma e tranquila.

Ele é o meu melhor amigo.

Ele é engraçado, tem a mesma idade que eu, estudamos juntos por um tempo até a sexta série. Depois disso, eu repeti de ano e acabamos ficando em turmas diferentes.

Quando escuto a porta do meu quarto se abrindo, finjo que estou dormindo, mas não consigo conter a risada.

- Eu sei que você não está dormindo, Helena. – diz ítalo rindo da minha tentativa de enganar ele.

- Não tem graça brincar com você. – Falo fazendo ele rir novamente.

- Tá bom então, eu saio e entro de novo, e finjo que acredito que você está dormindo, ok? – diz ele me fazendo bufar.

- Seu chato – digo me jogando na cama.

- Será que a sua mãe arrumou aquele smartphone que você queria? – ele perguntou.

Dei de ombros e me virei de lado.

- Ela disse que seria perigoso para mim. – Apontei uma arma imaginária para minha cabeça e puxei o gatilho. – Ela não quer pintar um alvo no peito da filhinha dela.

- Entendi, mas e o seu pai, será que ele vai te dar um?

Ele estava otimista.

- Não estou contando com o meu pai. – Digo suspirando. - Ele sempre me promete vários presentes, mas quando chega a noite de Natal, ele fala que surgiu um imprevisto e não conseguiu comprar.

- Ei, e seu pai vai passar aqui hoje?

- Você sabe como ele se sente com a minha mãe e as amigas dela.

Ítalo concordou com a cabeça.

- Sei, mas a quanto tempo ela e a Rayane namoram?

- Há muito tempo – respondi.

Ítalo mora um andar acima do meu com seus pais e sua irmã, Ana.

Minha pele não é tão escura quanto a do Ítalo. A minha é de um marrom-avermelhado. Meus olhos são muito pequenos. Eu odeio meus olhos. São quase frestas.

- Espero que meu pai passe por aqui no Natal. – Suspirei.

- Você só quer que ele traga aquele telefone novo – Ítalo falou alto e rindo.

Fiz que não com a cabeça

- Só quero mesmo me encontrar com ele.

E bem nessa hora a campainha tocou de novo. Eu sabia era o meu pai e pulei para abrir a porta antes da minha mãe. Pensei que, se ela abrisse a porta e meu pai espiasse e desse de cara com a namorada dela cozinhando na nossa cozinha, ele poderia virar as costas e ir embora.

Então eu corri para a porta da frente, mas não tinha ninguém além do nosso vizinho David.

Ele era alto, tinha a pele clara e morava com a mãe do outro lado do corredor. Ele e meu irmão, Lucas, costumavam passar o tempo todo juntos.

Tudo isso mudou quando eles fizeram treze anos.

Lucas foi numa direção – passando mais tempo fora de casa, pelas ruas – e David fez outro caminho, passando mais tempo na escola.

Agora Lucas se fora e David fazia filmes.

Bem, na verdade, ele não fazia filmes, mas gravava o som para filmes e programas de tv. Eu não ligaria de fazer algo assim quando tivesse vinte anos, isso seria legal.

Eu só faço treze no próximo verão, então tenho um tempinho.

David veio ao meu quarto, onde ítalo estava sacudindo uma grande caixa de presente de Natal que, desde a semana anterior, estava em cima da cama do Lucas.

David examinou com atenção as minhas novas pinturas.

Ele olhava como se estivesse tentando avaliar elas.

- Você seria uma ótima pintora, Helena. – diz ele pegando uma de minhas pinturas. – Parece que você tem um padrão de desenhos.

- Ela precisa pintar coisas novas, David. – comentou ítalo.

Fiz uma careta para ele, eu gostava das minhas pinturas, não queria mudar o meu estilo.

- Sabe, o ítalo tem razão, você devia fazer pinturas novas. – Começou David. – Poucas pessoas têm imaginação fértil, e você tem. É difícil para a maioria das pessoas ter ideias originais. Todo mundo consome os mesmos programas de sempre na tv, filmes e memes o tempo todo, regurgitando as mesmas ideias velhas sem parar.

- Regurgitando? – estranhou ítalo.

- É quando algo que você já comeu volta, tipo vômito- expliquei.

- Se você só se arrisca a fazer aquilo que todo mundo já faz, nunca vai fazer uma coisa nova. Acho que foi isso que pegou pro seu irmão: ele não conseguia ver nenhum outro caminho que não fosse traficar, ele foi atraído pelo estilo de vida das ruas.

Ele enfiou a mão na sacola de plástico que estava carregando e entregou dois presentes embrulhados, um para mim e outro para ítalo. Eu podia afirmar que eram livros pela sensação ao pegar o meu. Ítalo deve ter pensado a mesma coisa, pelo desânimo estampado no rosto dele.

- Ítalo, eu trouxe um para você também porque imaginei que estaria aqui, vocês vivem grudados. – disse David.

Era um livro. Sobre técnicas de violino para crianças. Esse era um livro que Ítalo realmente ia ler, eu sabia. Ele vinha brincando com esse instrumento desde o quarto ano, quando sua mãe o colocou na aula de música.

Meu livro tinha tudo sobre técnicas de desenhos e coisas do tipo. Era grande e tinha capa dura, recheado de fotos de obras e artistas famosos.

Era engraçado porque eu não teria pedido aquilo, mas, sentada ali no meu quarto, parecia algo que eu vinha querendo. Só não sabia que queria.   

continua...

Refúgio em PapéisWhere stories live. Discover now