Elena

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A cafeteira no canto da bancada se esforçava um bocado para terminar meu café, depois de tantos anos de uso não reclamo que esteja cansada e pensando em se aposentar. Era um domingo horrivelmente frio e eu estava de folga, o vento soprava cortante do lado de fora e meu aquecedor já tinha partido dessa para melhor, era engraçado que tudo na minha casa era meio velho ou estava precisando ser substituído, isso sem mencionar a própria casa, mas eu gostava daqui, gostava de como tudo era aconchegante, previsível e conhecido, era seguro e tinha cheiro de lar, enfim, era meu e eu gostava disso. Esfreguei as mãos antes de pegar a xícara quente, eu precisaria ir para algum lugar se não estivesse a fim de congelar ou pegar uma pneumonia.

Eram poucas as pessoas que se aventuravam na rua com a intensidade do vento, a maioria estaria reunida a redor de suas respectivas lareiras, com suas respectivas famílias e amigos e, aqueles que não tinham lugar para ir ou simplesmente preferiam não estar em casa, estariam no bar, lugar para o qual eu estava indo por ser o único com pessoas íntimas o suficiente para eu querer passar o tempo e por terem uma ótima lareira em perfeito estado que manteria quente e livre de resfriados. Soltei um suspiro ao abrir a porta pesada e sentir o ar quente atingir minhas bochechas, tirei a touca e as luvas e corri para me debruçar no balcão e pegar uma dose generosa de wisky.

- Veja só quem está aqui... veio nos visitar ou apenas usurpar do calor? - um Bob sorridente apareceu a minha frente quando ergui a cabeça.

- Oi para você também Bob. - sorri depois de beber todo o wisky e balançar o copo em busca de mais - Claro que vim visitar vocês, estava morrendo de saudades das minhas pessoas favoritas nessa cidade. E Joey? Está lá dentro?

- Sei, sei... - ele arqueou a sobrancelha e repôs minha bebida - Não, ela está fora desde cedo. Na verdade, tem ficado pouco aqui desde que a Malu saiu do hospital.

- Não preciso perguntar quem é Malu, você sabe que não conheço, mas está tudo bem com elas?

- E você conhece alguém nessa cidade, Elena? - dei de ombros. Green Dales era absurdamente pequena e todo mundo conhecia todo mundo, mas eu não sabia dizer metade dos nomes das pessoas, o que era uma vergonha já que eu trabalhava na única cafeteria da cidade - Sim, elas estão bem, mas Joey saberá te explicar melhor depois, isso caso você se interesse em saber. - ele fez uma careta que significava "você precisa se esforçar mais para conhecer e fazer parte da vida das pessoas ou vai acabar ficando sozinha, Elena" e eu não estava com a menor intenção de trazer essa conversa à tona de novo, então apenas concordei e fiquei em silêncio, prestando atenção no meu copo pela metade.

O vento foi se acalmando e, aos poucos, transformou-se em chuva. As pessoas começaram a encher o bar a procura das sopas especiais do cardápio e das bebidas quentes, me sentei numa poltrona próxima a lareira e passei a observá-las: um grupo de amigos contornava a mesa de sinuca, algumas senhoras gargalhavam e jogavam cartas numa das mesas, os outros conversavam espalhados por todo o lugar, eu conhecia a maioria do café, lembrava seus rostos e seus pedidos, mas não sabia exatamente quem eram senão nas histórias que eu criava na minha cabeça. Encarei o fogo por um tempo, estalava, aumentava, mas se a lenha não fosse reposta periodicamente, se apagava, isso me fazia pensar: até mesmo algo tão grande como o fogo, com poder o suficiente para causar desastres, dependia de algo para continuar a crescer e se manter forte. Ri sozinha. Aleatória, Elena, muito aleatória.

- Eu soube que Megan voltou para cidade... - Bob se sentou do meu lado, estendendo uma tigelinha de sopa - É uma receita nova, acho que vai gostar.

Peguei a tigelinha e sorri agradecendo. Claro que ele saberia, todo mundo deveria saber a essa altura, sempre admirei a capacidade da cidade de espalhar as notícias.

- Imaginei que soubesse. - foquei minha atenção completamente na sopa - Camarão?

- A esposa dela é a nova terapeuta da cidade, disseram que é muito boa. - ele confirmou minha pergunta.

- Fazia tempo que eu não comia camarão. - comentei sem levar em conta as novas informações, eu não me importava mesmo.

- Elena, querida, você não pode mais deixar a Megan controlar sua vida. Já faz tanto tempo. - eu não estava gostando do rumo que essa conversa estava levando

- Ela não controla minha vida, Bob. Eu controlo e muito bem, graças a ela, talvez eu devesse ir e agradecer. - eu realmente não estava gostando.

- Então talvez devesse controlar menos. Eu te conheço, Elena. Você e eu sabemos que merece mais do que ficar vagueando por aí todos os dias, enfurnada no café ou em casa. Precisa viver, conhecer pessoas, fazer amigos.

- Quanto mais pessoas entram na sua vida, mais podem sair dela. Eu fico bem sozinha, Bob. - sorri forçado, mexendo no prato vazio.

- Sim você fica, mas você quer ficar?

Como de costume, Bob foi ignorado e isso o fez revirar os olhos. Joey e Bob eram as pessoas mais próximas de pais que eu tinha e, na maioria das vezes, isso me incomodava. Eu o amava e era imensamente grata por tudo que faziam por mim, mas isso não me fazia sentir menos um estorvo que os ocupava e trazia preocupações, havia perdido a conta de quantas vezes tivemos essa mesma conversa e de quantas vezes ela acabou do mesmo jeito, por mais que eles entendessem minhas hesitações, nunca se cansariam de me fazer passar por elas e eu nunca me cansaria de usá-las como um esconderijo, o que fazia de mim uma puta covarde mas, bem, eu não ligava para ser uma puta covarde se isso me livrasse de mais dores de cabeça. Bob e Joey sabiam, Elena Maya Morgan estava aposentada e recebendo auxílio emergencial do governo no quesito relacionamentos e, na verdade, Elena Maya Morgan estava bem assim, havia até mesmo esquecido de como era não estar, ela quis esquecer e eu... eu quis também, levando em consideração que eu sou Elena Maya Morgan.

Sua alma em vermelhoWhere stories live. Discover now