A pintura do pecado.

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Era uma tarde de outono, meio de setembro de 1857, Jung Hoseok encontrava-se mais uma vez trancado dentro de sua oficina, localizada no porão de sua casa, mexendo e remexendo na máquina que insistia em fazer funcionar, e o mais curioso que ele montou aquilo e mal sabia para que servia. Por outro lado, Min Yoongi estava no sótão da mesma residência, a muito tempo misturando tintas e cobrindo o branco da enorme tela, sujando o chão do seu ateliê. Cores escuras percorriam os dois recintos, a falta de iluminação, tintas classificadas como frias e, para completar, os olhos negros de ambos viam tudo desta forma por conta da tristeza neles.

O casal havia brigado no começo daquele mesmo dia, pelo mesmo motivo de sempre: Hoseok odiava o julgamento dos outros sobre si e o amado, já Yoongi sempre tentava dizer que deveriam ir com calma, não chocar as pessoas, mostrar-se aos poucos. Controverso ao que geralmente artistas pensam.

Min quebrou o silêncio do ateliê com o som de pincéis caindo e ele apoiando os joelhos no chão, começando a chorar. A sua nova obra fazia-o sentir todo o ódio e a paixão pelo seu parceiro, o seu antigo espírito de pintor voltara e ele estava decidido a reatar-se usando o impacto que causaria a cidade, o pecado deles, agindo completamente ao contrário do que fizera nos últimos tempos. Voltou a olhar a pintura, agora sorrindo com o que criou: estava ali desenhado ele próprio e Hoseok, da cintura para cima muito bem esculpidos, pele na pele, as mãos entrelaçadas no centro inferior, os outros braços entrelaçados um no pescoço outro e o beijo era o único ponto de cor quente na tela. A fumaça e as engrenagens ao redor deles mostrava a melhor e a pior parte de Jung.

Yoongi se perdeu dentro da sua obra, segundos e mais segundos olhando e imaginando o orgulho que Hoseok teria ao ver sua atitude. Ele limpou as lágrimas e puxou um pincel fino de um dos copos apoiados no cavalete, pegou tinta branca e assinou seu nome no canto superior esquerdo, assim então pegando o quadro com cuidado, descendo as escadas.

O processo de tirar e colocar peças, apertar e trocar parafusos continuava no porão, o barulho da porta batendo confundiu o inventor, que tivera a certeza que a máquina estava funcionando. Ao ouvir os passos de Yoongi, o outro chutou a sua caixa de ferramentas e ficou emburrado, mas logo desfez a careta, ao ver a pintura na sua frente. Ainda estava molhada, porém exibia a mistura de encanto e luxúria que sentia.

— Está aí o que querias, eles vão espantar-se com nós dois — Min sorriu e abaixou a tela, para que pudesse ver Hoseok.

Ele não respondeu, somente levantou-se e colocou as mãos no rosto do seu amante, puxando-o calmamente para um beijo. Yoongi afastou a tela para que não encostarem, deixou-a apoiada num canto da máquina, assim podendo colocar as mãos em volta de Hoseok.

— Como sempre consegues me conquistar de novo e de novo? — o Jung riu e deixou um beijo na testa do outro. — Onde vai colocá-la?

— Vou com ela à Praça da Cultura, perto da hora que os músicos chegam! — ele sorriu, se afastou do outro e pegou o quadro outra vez. — A nomeei de Pecado.

— Não tinha nome melhor — ele sentou-se e olhou para a caixa de ferramentas. — Vou continuar tentar fazer essa porcaria ao menos ligar, depois vou até ti. — Yoongi concordou e se virou. — Sujei teu rosto de graxa, limpe isso antes de ir! — o que saía riu, limpando o rosto na manga da camisa.

As mãos de Hoseok voltaram à máquina, tendo muitos pensamentos da discussão de mais cedo mandados embora, como se sua cabeça pudesse funcionar com calma novamente, focando apenas numa coisa. Yoongi pegou outro cavalete, um que ficava espremido no canto da sala, abriu esse e colocou o quadro, depois indo para o quarto, nos fundos da casa, para finalmente tirar aquelas roupas sujas de tinta. As deixou em cima da cabeceira da cama, assim abrindo o armário e pegando seu melhor traje, um belo terno da provável loja mais cara da cidade.

Ele se sentia honrado naquele momento, por mais mal-falados que fossem, aquele era o momento de provar o respeito que eles merecem, que o seu amor merece.

O Min ficou o tempo de esperar a tinta secar sentado em frente a pintura, olhando e pensando no que dizer aos que parassem para admirá-la. "Deixe o sol chover em mim" era o que mais rodeava sua cabeça, a metáfora mais estranha que conhecia, o mais inaceitável. Eles!

A noite caiu e Yoongi saiu de casa, não sem antes despedir-se rapidamente de Hoseok e pegar sua cartola emprestada. Por que tudo nele tinha engrenagens?

Ah, mas se a noite houvesse sido como esperado, se o espanto fosse outro, se fosse impressionante, e não desastroso. Ao chegar à Praça da Cultura, alguns que conheciam o trabalho dele o acompanharam, curiosos para ver o que havia em seus braços, os que esperavam os músicos também o seguiram, com o olhar ou indo atrás, a curiosidade os tomou. Outra vez o cavalete posicionado, obra posicionada e logo revelada, gerou olhares assustados, pessoas saindo e outros fazendo sussurros maldosos.

— Contemplem a minha mais nova arte, o Pecado — ele desviou o olhar para o chão e deu um pequeno sorriso. — Todo o significado por trás dele...

Ele falava animado para o pouco público que o restou. Enquanto isso, retornando à casa, Hoseok apressava-se para tentar deixar suas roupas menos desleixadas, sua máquina foi ligada e ele sabia que seu amante já começara, limpou com pressa a graxa das mãos e tratou de colocar um sobretudo, cobrindo a parte mais feia. Ah, por que essa noite foi assim? Onde está o arco-íris depois da tempestade?

Entretanto, era o ódio que ainda governava a cidade.

Jung corria pelas ruas, tentando conter a ansiedade, olhava várias vezes para o relógio de bolso. A música não tocava como esperado, muitas pessoas estavam aglomeradas num só ponto, muitos murmúrios; estranho, confuso. Ele se aproximou, passou com cuidado entre as pessoas, parou ao ver a tela caída, levemente manchada, e ao lado uma poça de sangue que era todo de seu amado.

Oh, que pecado.

Pecados e Morte // yoonseokOnde histórias criam vida. Descubra agora