O Necrotério

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—Eu consegui passagem para ir ao necrotério — disse Andrew.

— Bastante romântico — respondi.

—Para uma sádica cheia de fetiches é, pode ser. —respondeu.

—Antes eu preciso passar em casa, para pegar o Satan.

—Mais que diabos, e eu nem gostaria de perguntar, é Satan?

— É meu familiar, onde está o seu?

— Morreu uma semana atrás — respondeu sem dar importância.— Mas por que você vai buscar o seu familiar?

A Elizabeth fez uma outra viagem, seja lá para onde, e o não poderia deixar o pobrezinho sozinho. Se bem que ele consegue se virar melhor do que eu, pelo menos não se mete em encrencas.

— Eu só preciso ir pegá-lo, te vejo depois. — respondi.

Quando cheguei em casa peguei o material que tinha, e procurei pelo Satan que estava em algum lugar naquele casarão.
Minha casa, é de modelo rústico e grande demais só para duas pessoas e um gato. A parede tem um papel amarelado e ultrapassado que muito não me agrada.
Encontrei o Satan dormindo de baixo da escada.

— Ei amigão — sacudi ele. — Acorde, precisamos ir agora.

...............☀☀🌙🌙🌙☀☀.............

Mais tarde, eu encontrei  o Andrew na linha de trem. Fazia tempo que não ia até lá, todos lugares da cidade tinham uma paisagem velha e abandonada e não era diferente ali.

— Tão velho e sem graça, não é!— afirmei quando o encontrei.

— O que é toda essa tralha?— perguntou Andrew.— Parece que você saiu de um apocalipse zumbi.

Talvez eu tenha exagerado, estava com uma bolsa  tiracolo com alguns instrumentos necessários, mapa, uma bolsa com protetor labial e curativos. Com o Satan, preguiçoso, logo atrás.

— Qual é? Vai ficar parado ai o dia todo?— disse enquanto o colocava para dentro de um vagão.

Eu estava passando mais tempo do que gostaria com ele, é verdade, e eu não suporto esse garoto. Já dentro do vagão, ele me fitava e isso é tão estúpido.

— O que é? — perguntei. — Tem alguma coisa no meu rosto?

Ele se aproximou, ficou perto demais, e eu senti meu coração disparar de uma maneira desagradável.

— Sim tem — respondeu enquanto tocava meu rosto. — Era um pouco de estupidez, mas eu já limpei.

Eu, definitivamente, completamente, inteiramente odeio esse garoto. Ele consegue ser ignorante, rude e mau em qualquer momento. Até sua respiração me irrita, e só de pensar que todos acham que a gente namora me da vontade de vomitar.

— Você está sendo mau!

— Obrigado, é uma das minhas melhores qualidades — respondeu.

— Pois bem, eu não sou como você — respondi. — Nunca mais me toque assim.

— Qual o seu problema Agnes? —  perguntou com a feição séria, nesse momento o trem parou.

— Vai se foder, tu e tua ralé Andrew — falei, saindo do trem na frente dele.

— Mais que merda, espera Agnes!

Ele gritou, mas que se foda ele, eu posso fazer tudo sozinha, não preciso daquele merdinha arrogante. É, eu tenho o Satan e a gente vai fazer isso sozinhos.
Na estação estava frio, sai andando, já estava bem longe e o Andrew não me alcançaria.

— Pelo visto, somos só eu e você Satan — disse, para o gato que agora se aquecia sobre o meu colo.

O necrotério ficava longe de Peverel, mas não muito, era preciso meia hora de trem e mais alguns minutos apê.
O necrotério fica no centro dessa cidade, que é vizinha de Peverel. Com certeza, bem mais movimentada durante uma tarde fria como essa. Em Peverel tudo era sempre tão morto, e apesar de estar indo ao um necrotério, parecia ter muito mais vida ali.

— Boa tarde senhora, você sabe onde fica esse local? — ela era uma linda camponesa, me indicou o local e eu segui.

Tudo era tão mórbido, até a fachada do necrotério, visto de longe, dava calafrios. A vida só é importante porque um dia morremos, ecoava na minha cabeça.

— Você tem quinze minutos — disse o médico.

E naquela sala minúscula, sobre um metal frio e sem vida estava Charlotte. Eu nunca imaginei cena tão triste quanto aquela.
Apesar da melancolia, eu precisava analizar o corpo pois poderia ter sinais que um médico normal não enxergaria.
Eu toquei seus ombros, com uma luva de látex, sentia uma onda de choque no meu corpo tocando o dela.
E derepente um grito, um grito da Charlotte na minha cabeça.

— Não tema Agnes, sua piranhazinha, logo você vai se juntar a mim — falou. — Não chore sua filha da puta, a culpa é sua por eu estar morta, se você fosse minha amiga eu não estaria morta.

Andrew chegou e me viu tendo um surto no canto da sala.

— Agnes, merda — falou. — Alguém chama um médico ela está tendo uma convulsão.

Eu vi seu rosto sumindo na escuridão e meus sentidos saindo de mim. Eu apaguei.

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— Onde eu estou? — perguntei colocando a mão na cabeça. — Por que minha cabeça dói?

E no instante seguinte minha mente trouxe o meu consciente de volta, então, eu me lembrei.

— Merda, ai meu Sathan, Andrew....

— Eu sei Agnes, não faça força. — Precisamos sair daqui.

— Cadê o Satan? Andrew, eu não tô encontrando ele — falei.

— Agnes, não seja idiota, ele não é um mascote, é um familiar. Ele sabe voltar para casa — respondeu. — Precisamos ir imediatamente, a polícia está vindo para cá, checa a porta.

Fui até a porta, estava trancada por fora.

— Merda, está trancada. — disse.

— Vamos pela janela.

A janela era pequena, sério cara? Eu odeio janelas e essas encrencas.

— Vai logo Agnes, por que você tem um traseiro tão grande? — falou Andrew. — Não que eu ache ruim ou algo do tipo mais...

— Cala boca Andrew.

Ele passou, e saímos correndo de lá. Isso me trouxe uma calmaria que quase poderia chamar de felicidade.

— E nunca mais fale do meu traseiro — falei.

— Não entenda errado Agnes, eu...

Ouvimos uma sirene ecoar e corremos mais rápido, deixamos sair um sorriso sincero. Mas ainda me vinha a lembrança, as palavras de Charlotte, talvez eu realmente fosse culpada.

Mais tarde na estação

— Está com frio Agnes? — perguntou Andrew.

— Não, espera.

— O que? — perguntou.

— É o Satan, eu o encontrei — respondi. — É ele mesmo.

Ele estava tremendo, mas tinha me alcançado, eu sei que ele é forte, mas eu preciso dele.

Enquanto embarcamos, os três na viajem de volta já era escuro, Satan dormia confortável sobre o casaco do Andrew.

— Desculpa por hoje cedo, eu fui um merda — falou.

— Como é? — falei. — Repete, eu não tô acreditando.

— Você entendeu Agnes, eu não vou repetir.

— Só mais uma vez — falei.

— Não.

As Aventuras de Agnes e seus amigosWhere stories live. Discover now