SHORT 3 (continuação)

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Não estava previsto os shorts terem uma continuação (e esta vai ser a única vez que vai acontecer), mas muita gente pediu (IMPLOROU xD ). Espero que gostem!

TOM

O meu telemóvel tocou quando eu estava a lavar os dentes. Ainda meio adormecido, cuspi para o lavatório a pasta e atendi, ensonado.
- Que é?
- Mau humor matinal, príncipe Azul? - Cantarolou a voz de Stephan, do outro lado da linha.
- Porque é que me estás a ligar às - olhou para o relógio - sete e meia da manhã? Vais ver-me daqui a trinta minutos na escola.
- Queria saber se sempre conseguiste alguma coisa com a Kayla, ontem - disse o Stephan. Pelo barulho da porta, estava a sair de casa.
Tom engoliu em seco. Era raro fracassar com as raparigas, e a cena de ontem não fora um fracasso: fora uma verdadeira catástrofe. Como dizer isso a Stephan? "Ah pois, ela nem me deu oportunidade de falar, chamou-me convencido e virou-me as costas dizendo que não queria nunca mais falar comigo." Não. Ele, o Tom, tinha uma reputação a defender. A situação de ontem fora um pequeno percalço, que seria rapidamente esquecido assim que Kayla acabasse o intercâmbio.
Ninguém precisava de saber que ele levara a maior tampa da sua vida.
- Nem tentei, se queres que te diga - Tom encolheu os ombros, enquanto saía da casa - de - banho. - Não a achei assim tão gira.
- Oh. - Stephan soou desiludido. - Tens a certeza? Ela não era de deitar fora.
- Há muito peixe no mar. - Tom sorriu. - E eu sou um pescador muito experiente. Como correu com a Mara, ontem?
- Mal.
- Mal como? - Stephan e Mara já estavam juntos há três meses, e ele parecia mesmo apaixonado pela sua francesa de cabelo preto. Bem, pelo menos, o quanto apaixonado um rapaz como eles poderia estar. O que teria dado para o torto?
- Alguém lhe contou da cena da Alice, ontem no parque. - Resmungou Stephan. - E ela chateou-se comigo. Sabia lá eu que elas andavam juntas no piano! Até parece que matámos alguém, fogo!
Tom já estava farto do assunto a rodar à volta daquela rapariga estúpida. Já se teria esquecido do nome dela, se Stephan não tivesse mencionado. Primeiro Kayla, agora Mara... as raparigas tinham formado um Movimento Feminista e estavam a defender-se umas às outras ou quê?
- Isso passa-lhe - assegurou Tom, pegando na mochila caída na entrada. Os pais já há muito que tinham saído para o trabalho, e encaminhou-se para a escola, que se encontrava a quinze minutos a pé. - Sempre que me lembro da miúda caída no chão a apanhar as canetas... - Tom até sentia vergonha por ela. Como era possível ser-se tão patéticos.
- Pois... - Stephan soou hesitante. - Achas que exagerámos?
- Mas qual é a vossa de de repente estarem todos cocós com isto? - Exclamou Tom. - Até parece que somos os únicos. O Henry não passa a vida a atirar-lhe papéis na aula? E ainda no outro dia vi umas raparigas puxarem-lhe o cabelo.
- Pois, mas... fomos um bocado brutos. Principalmente o Nick, a ler o poema em voz alta. E o teu comentário da cirurgia plástica foi meio escusado...
- Se me ligaste a esta hora do dia para me dares um sermão, Stephan, juro que te desligo na cara. Como se não te tivesses rido tanto quanto nós. - Cortou Tom azedamente.
Stephan caiu em si.
- Tens razão. Estou só um pouco desorientado por causa da discussão com a Mara. Hoje a miúda já vai estar a desenhar corações e a falar de equações matemática com os seus amiguinhos nerds de novo.
- Exatamente. Nem sei porque estamos a perder tempo a falar dela. Achas que o Sean contou à mãe da suspensão?
- Com a lata dele, acho que sim - riu-se Stephan. - Aposto que a casa foi abaixo com o ralhete que levou.
- Já lhe perguntamos quando o virmos agora na aula. Vou desligar, Stephan, tenho de atravessar a avenida e não me apetece ser atropelado por estar a falar ao telefone.
- Tchau, até logo.
Tom pôs o telemóvel no bolso e avançou pela rua. Um grupo de raparigas que estavam a atravessar a direção oposto, em direção à estação de comboios que as levaria à escola delas a uns quarteirões de distância, começou a rir e pestanejar quando ele passou. Tom ignorou-as. Nenhuma era especialmente bonita, e tinha mais em que pensar.
As raparigas eram umas exageradas... aquela história toda só por terem arrancado uma página do caderno à tal Alison... (ou seria Alexia...?) A culpa era deles se ela era tão vergonhosamente patética? Tom desprezava as pessoas como ela. Havia umas quantas, pela escola, sempre caladas, a arrastar-se pelas paredes carregadas de livros. Porque é que não se esforçavam para ser divertidas, como Sean, ou com carisma, como Nick, ou populares e atraentes como Kayla, ele próprio, os seus amigos? Era assim tão difícil? A maioria das vezes Tom simplesmente ignorava-as, ou então ria-se um bocado de cenas parecidas com as de ontem.
Tom pertencia a um ciclo social exclusivo da escola que não tinha obrigação de prestar atenção aos outros. Os outros é que lhes tinham de prestar atenção a eles.
Ao chegar à escola, Tom foi logo circundado por um grupo de amigos, entre os quais Stephan, Nick e uns quantos colegas, como George, Sally e Nicole. Todos populares, bem sucedidos. Era uma pena haver gente tão abaixo deles, pensou Tom.
- Eeehh, safado - cumprimentou George, dando-lhe um murro no ombro. - Mais um dia de escola. Que emoção.
- Só falta o Sean, suspenso em casa - riu-se Nick, espreguiçando-se. Uns miúdos do ano deles afastaram-se do caminho, ao verem "os populares" atravessar o pátio. - Falei com ele ao telefone ontem a noite. A mãe deu-lhe uma tareia. E está proibido de sair de casa durante duas semanas.
- Isso quer dizer que vai faltar à minha festa? - Choramingou Sally.
- Achas. Até parece que não conheces o Sean. É só pôr um monte de roupa debaixo dos lençóis e saltar pela janela. - Riu-se Tom. - O David? - Acrescentou, vendo que faltava o quinto elemento do grupo.
- Já está na aula - respondeu Nicole, sorrindo-lhe. - Depois das aulas vamos à disco. Sexta à noite, é para aproveitar. Vens?
- Claro - sorriu-lhe Tom de volta. Visto que Kayla não era uma opção, porque não conceder a sua companhia a Nicole durante aquela noite? Era uma rapariga que se contentava com pouco, e a maneira como ela se lhe agarrou ao braço e pestanejou sedutoramente deu-lhe a certeza que seria fácil.
Foi só quando entraram no corredor que Tom teve a sensação que se passava algo.
Porque é que estavam todos a burburinhar? Alguns miúdos olharam para eles quando os viram passar.
- Porque é que está tudo tão sério? - Inquiriu Nick.
Ninguém sabia. Tom sacudiu Nicole e entrou na sala, onde estavam os seus colegas de turma, David e um professor.
- Tom - chamou James. Não eram especialmente próximos, mas James era ótimo aluno e não era a primeira vez que os deixava copiar trabalhos, por isso tinha uma espécie de passe VIP que lhe permitia andar pelos corredores sem ter medo de ser gozado ou tiranizado pelos "populares". - Chegaste! Já ouviste a notícia?
- Que notícia? - Inquiriu Tom, irritado. - Porque é que sou o único à nora? O que aconteceu?
- Sabes a Alice?
- Quem é a Ali... ah. Sim. O que tem? - Será que fizera queixinhas a algum professor da cena de ontem? Não, ninguém descia tão baixo. Tom suspirou, imaginando já o sermão seca que o diretor lhes daria ao saber que...
- Suicidou-se. Ontem, à noite.
Tom fitou-o.
- Ela... o quê?
- Suicidou-se. Os pais encontraram-na na casa - de - banho. Tomou os comprimidos de sono do pai, uma caixa inteira. Não acordou.
James continuou a falar, mas Tom já não estava a ouvir. Viu David a gesticular e a contar tudo a Nick e Stephan, cujas expressões ficaram tão consternadas quanto a sua.
- Alguém sabe porquê, professor?! - Inquiriu Sally, com os olhos arregalados.
- Não temos a certeza - respondeu o professor de Matemática. - Não deve ter sido uma coisa em particular, mas várias que se sobrepuseram. Sabíamos que ela não se integrava muito bem, mas nada desta gravidade.
Henry, o rapaz que lhe atirava papéis, afundou-se na cadeira, com uma expressão culpada.
- Mas... stôr - Tom exclamou. - Ela... não pode ser. Suicídio? Será que foi um acidente ou...
- Acidente? - Disse uma voz atrás de si. Kayla fitava-o. - Ela estava a sair do duche, tropeçou e aterrou na caixa de comprimidos do pai, que se abriu e despejou pela garganta dela, queres ver?
Pela segunda vez em dois dias, Tom ficou sem palavras. O professor estava a dizer algo, mas tudo o que Tom conseguia fazer era olhar para os seus amigos, que exibiam a mesma cara que ele. Mara, do outro lado da sala, também os fitava, juntamente com Kayla.
Alice podia ter-se morto por uma grande quantidade de situações sobrepostas, como dissera o stôr, e não apenas por aquilo do poema. Mas eles não tinham definitivamente ajudado.
E, pela primeira vez na vida, Tom parou para pensar no que fizera.

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