Capítulo 3

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Sacha

Com passos muito vagarosos chego à porta do quarto indicado pelo recepcionista, levo meu dedo à campainha, como se fosse um grande e nojento bicho comedor de dedos, respiro fundo e toco, ouvindo o barulho do lado de dentro.

— Só um minuto. — Escuto, em seguida, uma voz grossa avisando.

Meu coração já não tem mais qualquer compasso coordenado, por reflexo, aperto o saco na minha mão, tentando aplacar o nervosismo que sinto. Cogito a possibilidade de deixar o pacote no chão e sair correndo, enquanto o elevador ainda está com as portas abertas no andar, entretanto, antes que eu possa dar ação aos pensamentos, a porta é aberta pelo homem que me desestabilizou no restaurante.

— Aqui está a encomenda. — Ergo o pacote, mantendo meu braço estendido e o mais distante possível da entrada do quarto.

Lápatchka. Entre, vou pegar algo para você. — Ele não sorri, mas age tão naturalmente, como se fôssemos velhos conhecidos.

Ele volta para dentro e caminha até uma grande mesa de vidro. Seu quarto é praticamente um apartamento, pelo que posso perceber de fora. O ambiente começa com uma sala e mesa de jantar que dividem o espaço e as portas em torno devem ser os quartos.

Agora entendo a necessidade da campainha, ele jamais ouviria minhas batidas se estivesse em outro cômodo.

— Entre, Lápatchka. — Ele volta sua atenção para mim, enquanto segura uma carteira nas mãos.

— Não há necessidade de gorjeta. Se puder pegar seu pacote, por favor, preciso voltar ao trabalho.

O homem misterioso franze o cenho, como se algo o incomodasse profundamente, a boca firme em uma linha fina, mostra que não ficou feliz com minha rejeição.

Dispensando a carteira sobre a mesa, ele vem até mim, cauteloso, o trocar de peso das pernas, o tronco movendo-se calidamente, acompanhando a caminhada como um felino, prestes a atacar uma presa.

No caso, eu.

Por instinto, recuo um passo, minha garganta tornou-se tão seca que um gole de vodca agora seria bem-vindo. Não costumo beber, mas com certeza ajudaria a diminuir meu ritmo cardíaco, ou talvez, daria mais coragem para enfrentar esse homem insolente.

— Está com medo de mim, Lápatchka? — Vejo um pequeno levantar de sobrancelhas, tornando-o desafiador e ainda mais quente, se isso é realmente possível.

Levanto meu nariz, na tentativa de passar uma impressão altiva, mesmo que tenha falhado miseravelmente desde que o vi no restaurante. Esse homem precisa de um corretivo, cogitar que possa agir como bem quer é um grande erro, e se eu fui a eleita para desbancar seu ego gigantesco, que assim seja.

— Não preciso temer a nada, sinceramente. Vim até aqui cumprir meu trabalho e lhe entregar o almoço. E agradeceria se parasse de me chamar dessa forma, não temos, nem teremos intimidade alguma para me tratar de forma tão pessoal. — Sacudo levemente o pacote que permanece em minha mão esticada.

— Se tivesse dito seu nome quando perguntei, poderíamos ter corrigido isso. Apesar de que ainda prefiro te chamar de Lápatchka.

— Suas preferências não me interessam. — Sacudo o saco novamente à sua frente.

— Por que é tão arisca e fechada?

— Eu não dou intimidade para quem eu não conheço — respondo, de cara feia, e arrisco um olhar para o elevador, que ainda está aberto e praticamente berrando para que eu pule dentro dele.

— Muito prazer, sou Krigor Dmitrievitch Stepanov. — Ele estende a mão, passando o batente da porta e saindo para o corredor, evitando a má sorte, já que tem ciência que eu não entraria naquele cômodo com ele.

Evito o contato e, sem responder absolutamente nada, mais uma vez sacudo o saco de papel com a comida, provavelmente já revirada, dentro dele. Com a mão desocupada, ele pega o saco rapidamente, seu rompante me assusta um pouco, mas não deixo transparecer.

Dóbri viétcher — despeço-me e ignoro deliberadamente sua mão estendida.

Contorno seu corpo grande, caminhando até o elevador, que para meu total azar, se fecha antes que consiga alcançá-lo. Chego a acelerar os passos, praticamente correndo no corredor, mas não o suficiente para conseguir me livrar dessa situação.

Yeb vas! — xingo, baixo.

Aperto o botão do elevador umas cinco vezes seguidas, como se isso fosse fazê-lo retornar ao andar mais rápido, cruzo os braços na altura do peito, parada e rígida no lugar, encaro meus pés.

— Parece que sua tentativa de fuga não funcionou. — Escuto sua voz baixa muito próxima e fecho os olhos, em lamento.

Continuo calada, sem lhe dirigir a palavra ou ao menos um olhar. O homem sabe ser insistente, contudo, o que me preocupa realmente, é eu gostar disso mais do que deveria.

Eu não o conheço, por que estou tão feliz de ter sua atenção?

Lápatchka...

— Já disse para não me chamar assim. — Viro o rosto, encarando-o, brava.

Sua postura se mantém inalterada, as mãos no bolso da calça preta ajustada que usa, uma camisa de manga comprida, também preta, que desenha todo seu corpo. Forte e truculento, dificilmente alguma peça não marcaria seu contorno.

— Então, me diga seu nome. — Ele ergue os ombros, como se a culpa de sua ousadia fosse somente minha.

— Para um russo, você é invasivo e insistente demais — respondo, voltando a atenção para a porta metálica, ansiosa para que se abra.

— Sou um homem determinado. Quando vejo algo que valha minha atenção, busco de todas as formas conquistá-la.

— Então, nitidamente você gosta de um desafio e consequentemente de um prêmio. Superficial, não acha?

— Desafios sempre fizeram parte da minha vida, isso você acertou. O prêmio sempre foi a consequência das vitórias, mas não acredito em superficialidade, não neste caso.

— Você não faz sentido algum.

— Eu sei. Esse é meu charme. — Noto um leve humor no seu timbre e arrisco outro olhar para trás e ele continua com a mesma postura impenetrável.

Svolach!

Finalmente eu ouço o sonoro "ding" e agradeço mentalmente que as portas se abram e eu possa saltar para dentro da minha salvação. Giro meu corpo, os olhos daquele homem estranho cravados em mim, por isso, ergo o nariz, soando o mais impositiva possível.

Poka, lápatchka.

— Meu nome é Aleksandra Yakovna.

Antes que as portas se fechem, consigo vislumbrar um sorriso, contido e discreto, no canto dos seus lábios. Provavelmente, está se vangloriando por ter conseguido tirar de mim a informação que tanto insistiu.


Os russos são muito supersticiosos. Sempre entrar antes de apertar as mãos: nunca ficar na porta - Apertar as mãos enquanto você está fora e seu anfitrião está dentro de casa é sinal de má sorte. Ou você entra, ou ele sai.


Dóbri viétcher ꟷ Boa tarde.


Yeb vas ꟷ Foda-se.


Svolach ꟷ algo como "idiota".


Poka ꟷ Adeus, por agora.


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⏰ Last updated: Sep 01, 2022 ⏰

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[DEGUSTAÇÃO ] Dominada por KrigorWhere stories live. Discover now