Sacha
Com passos muito vagarosos chego à porta do quarto indicado pelo recepcionista, levo meu dedo à campainha, como se fosse um grande e nojento bicho comedor de dedos, respiro fundo e toco, ouvindo o barulho do lado de dentro.
— Só um minuto. — Escuto, em seguida, uma voz grossa avisando.
Meu coração já não tem mais qualquer compasso coordenado, por reflexo, aperto o saco na minha mão, tentando aplacar o nervosismo que sinto. Cogito a possibilidade de deixar o pacote no chão e sair correndo, enquanto o elevador ainda está com as portas abertas no andar, entretanto, antes que eu possa dar ação aos pensamentos, a porta é aberta pelo homem que me desestabilizou no restaurante.
— Aqui está a encomenda. — Ergo o pacote, mantendo meu braço estendido e o mais distante possível da entrada do quarto.
— Lápatchka. Entre, vou pegar algo para você. — Ele não sorri, mas age tão naturalmente, como se fôssemos velhos conhecidos.
Ele volta para dentro e caminha até uma grande mesa de vidro. Seu quarto é praticamente um apartamento, pelo que posso perceber de fora. O ambiente começa com uma sala e mesa de jantar que dividem o espaço e as portas em torno devem ser os quartos.
Agora entendo a necessidade da campainha, ele jamais ouviria minhas batidas se estivesse em outro cômodo.
— Entre, Lápatchka. — Ele volta sua atenção para mim, enquanto segura uma carteira nas mãos.
— Não há necessidade de gorjeta. Se puder pegar seu pacote, por favor, preciso voltar ao trabalho.
O homem misterioso franze o cenho, como se algo o incomodasse profundamente, a boca firme em uma linha fina, mostra que não ficou feliz com minha rejeição.
Dispensando a carteira sobre a mesa, ele vem até mim, cauteloso, o trocar de peso das pernas, o tronco movendo-se calidamente, acompanhando a caminhada como um felino, prestes a atacar uma presa.
No caso, eu.
Por instinto, recuo um passo, minha garganta tornou-se tão seca que um gole de vodca agora seria bem-vindo. Não costumo beber, mas com certeza ajudaria a diminuir meu ritmo cardíaco, ou talvez, daria mais coragem para enfrentar esse homem insolente.
— Está com medo de mim, Lápatchka? — Vejo um pequeno levantar de sobrancelhas, tornando-o desafiador e ainda mais quente, se isso é realmente possível.
Levanto meu nariz, na tentativa de passar uma impressão altiva, mesmo que tenha falhado miseravelmente desde que o vi no restaurante. Esse homem precisa de um corretivo, cogitar que possa agir como bem quer é um grande erro, e se eu fui a eleita para desbancar seu ego gigantesco, que assim seja.
— Não preciso temer a nada, sinceramente. Vim até aqui cumprir meu trabalho e lhe entregar o almoço. E agradeceria se parasse de me chamar dessa forma, não temos, nem teremos intimidade alguma para me tratar de forma tão pessoal. — Sacudo levemente o pacote que permanece em minha mão esticada.
— Se tivesse dito seu nome quando perguntei, poderíamos ter corrigido isso. Apesar de que ainda prefiro te chamar de Lápatchka.
— Suas preferências não me interessam. — Sacudo o saco novamente à sua frente.
— Por que é tão arisca e fechada?
— Eu não dou intimidade para quem eu não conheço — respondo, de cara feia, e arrisco um olhar para o elevador, que ainda está aberto e praticamente berrando para que eu pule dentro dele.
— Muito prazer, sou Krigor Dmitrievitch Stepanov. — Ele estende a mão, passando o batente da porta e saindo para o corredor, evitando a má sorte, já que tem ciência que eu não entraria naquele cômodo com ele.
Evito o contato e, sem responder absolutamente nada, mais uma vez sacudo o saco de papel com a comida, provavelmente já revirada, dentro dele. Com a mão desocupada, ele pega o saco rapidamente, seu rompante me assusta um pouco, mas não deixo transparecer.
— Dóbri viétcher — despeço-me e ignoro deliberadamente sua mão estendida.
Contorno seu corpo grande, caminhando até o elevador, que para meu total azar, se fecha antes que consiga alcançá-lo. Chego a acelerar os passos, praticamente correndo no corredor, mas não o suficiente para conseguir me livrar dessa situação.
— Yeb vas! — xingo, baixo.
Aperto o botão do elevador umas cinco vezes seguidas, como se isso fosse fazê-lo retornar ao andar mais rápido, cruzo os braços na altura do peito, parada e rígida no lugar, encaro meus pés.
— Parece que sua tentativa de fuga não funcionou. — Escuto sua voz baixa muito próxima e fecho os olhos, em lamento.
Continuo calada, sem lhe dirigir a palavra ou ao menos um olhar. O homem sabe ser insistente, contudo, o que me preocupa realmente, é eu gostar disso mais do que deveria.
Eu não o conheço, por que estou tão feliz de ter sua atenção?
— Lápatchka...
— Já disse para não me chamar assim. — Viro o rosto, encarando-o, brava.
Sua postura se mantém inalterada, as mãos no bolso da calça preta ajustada que usa, uma camisa de manga comprida, também preta, que desenha todo seu corpo. Forte e truculento, dificilmente alguma peça não marcaria seu contorno.
— Então, me diga seu nome. — Ele ergue os ombros, como se a culpa de sua ousadia fosse somente minha.
— Para um russo, você é invasivo e insistente demais — respondo, voltando a atenção para a porta metálica, ansiosa para que se abra.
— Sou um homem determinado. Quando vejo algo que valha minha atenção, busco de todas as formas conquistá-la.
— Então, nitidamente você gosta de um desafio e consequentemente de um prêmio. Superficial, não acha?
— Desafios sempre fizeram parte da minha vida, isso você acertou. O prêmio sempre foi a consequência das vitórias, mas não acredito em superficialidade, não neste caso.
— Você não faz sentido algum.
— Eu sei. Esse é meu charme. — Noto um leve humor no seu timbre e arrisco outro olhar para trás e ele continua com a mesma postura impenetrável.
Svolach!
Finalmente eu ouço o sonoro "ding" e agradeço mentalmente que as portas se abram e eu possa saltar para dentro da minha salvação. Giro meu corpo, os olhos daquele homem estranho cravados em mim, por isso, ergo o nariz, soando o mais impositiva possível.
— Poka, lápatchka.
— Meu nome é Aleksandra Yakovna.
Antes que as portas se fechem, consigo vislumbrar um sorriso, contido e discreto, no canto dos seus lábios. Provavelmente, está se vangloriando por ter conseguido tirar de mim a informação que tanto insistiu.
Os russos são muito supersticiosos. Sempre entrar antes de apertar as mãos: nunca ficar na porta - Apertar as mãos enquanto você está fora e seu anfitrião está dentro de casa é sinal de má sorte. Ou você entra, ou ele sai.
Dóbri viétcher ꟷ Boa tarde.
Yeb vas ꟷ Foda-se.
Svolach ꟷ algo como "idiota".
Poka ꟷ Adeus, por agora.
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[DEGUSTAÇÃO ] Dominada por Krigor
ChickLitPublicado anteriormente como "Krigor: a dívida" por ÁGATHA SANTOS. O misterioso Krigor Stepanov é assombrado pelo passado. Lutador clandestino, estava envolvido com a máfia russa enquanto se divertia com o assédio das mulheres no final de cada event...