Capítulo 1

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Sacha

Levantar às oito da manhã não é uma tarefa tão fácil quando se foi dormir a uma, da mesma madrugada. Quando isso já é uma rotina, você pode acabar se acostumando, entretanto, não significa que se torna mais amena.

Meus olhos ardem, como se tivesse um punhado de areia dentro deles, mesmo assim, o faço, o corpo dolorido e cansado, pedindo por mais um par de horas na cama quente e convidativa, corro com a minha higiene matinal, visto o uniforme do emprego número um e arrumo a mochila com tudo que preciso para mais um longo dia de trabalho.

— Sacha, venha tomar seu café — minha mãe chama, da pequena cozinha, quando passo pela sala a caminho da porta.

O cheiro do mingau e das blinis sobre a mesa despertam o apetite e meu estômago protesta, querendo provar um pouco de comida caseira, uma pena estar em cima da hora. Aquelas panquequinhas saborosas, cobertas com uma boa camada de mel ou geleia, aguçam qualquer paladar.

— Não tenho tempo. Hoje o dono do restaurante pediu para eu chegar mais cedo e compensar o atraso de ontem.

Para o meu azar e excesso de cansaço pela rotina que tenho vivido, não ouvi o despertador e cheguei com mais de uma hora de atraso no trabalho. Ivo Smirnov, dono do restaurante Pardes, onde trabalho meio período diurno, para cobrir o horário de maior movimento, não é nada tolerante com atrasos, aliás, nenhum russo costuma ser, entretanto, foi a primeira vez, em três anos, que um episódio desses aconteceu comigo, por isso só irei repor as horas ao invés de perder o ganho do dia anterior.

Não posso me dar ao luxo de perder qualquer kopek, trabalho em dois empregos e me mato todos os dias para quitar aquela maldita dívida. Em breve, conseguirei livrar minha família desse desespero e poderei pensar em minha vida enfim.

— Você precisa de um descanso, Sacha. — Ela limpa a mão no pano de cozinha apoiado em seu ombro.

Estava concentrada em fechar a mochila que comporta mais coisas que o seu interior permite, depois de um pequeno embate com ela, sai vencedora e consegui fechá-la. Fito minha mãe, o corpo apoiado no batente da porta, me observando com certa aflição.

— Não se preocupe, mãe. É divertido, no fim das contas, conheço muitas pessoas diferentes. — Ergo os ombros, tentando passar uma impressão impassível.

Ela não precisa carregar culpa por tudo que nos aconteceu nos últimos anos. Sei de seus sonhos para que minhas oportunidades fossem diferentes das que ela e meu pai tiveram, entretanto, a vida nem sempre corre o curso que esperamos e algo indesejado sempre poder descer sobre nossas cabeças e mudar o rumo de tudo.

— Tenha cuidado. — Aceno em concordância, visto meu casaco e chapéu que estão no bengaleiro.

Calço minha bota de couro preta sem salto, solado de borracha ideal para caminhar, principalmente com pressa, como tenho feito constantemente nos meus dias.

Ajeito a mochila nas costas, o peso dela às vezes faz meu ombro doer um pouco, mas evito reclamar em casa, caso contrário, minha mãe colocará à mesa sua lista interminável de motivos para que eu pare com essa rotina maluca que me enfiei.

Quase na porta do prédio, vejo Katrina, minha prima, chegando de algum lugar, que provavelmente não é trabalho, dada a maquiagem carregada que usa no rosto.

Dóbraie útra — ela grita, quando me vê saindo do prédio.

— Onde estava, Katrina? Não tem trabalho agora pela manhã? — questiono, sem devolver o cumprimento.

— Acalme-se, Sacha. Vou só trocar as roupas e sair. Se quiser me esperar, podemos ir para a estação, juntas. — Ela passa por mim, um leve sorriso no rosto e o cheiro de vodca acompanhado do seu perfume permeiam no ar.

[DEGUSTAÇÃO ] Dominada por KrigorWhere stories live. Discover now