Parte 6

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Não faço a menor ideia de quanto tempo leva para alcançarmos o topo, mas aquela parece ter sido uma péssima ideia. Até que Sam tira a camisa e os sapatos e se senta na grama. Ele sorri pra mim, se protegendo do sol com a camisa amarrada na cabeça. Sento ao seu lado, tirando também os meus tênis e enfiando os pés na grama baixa. Seu corpo é magro, os ombros largos e não existe uma gordurinha sequer sobrando em lugar algum. Fico desconfortável o suficiente só de pensar se deveria tirar a minha camisa também, então continuo vestido. Deitamos as costas na grama e acho que pegamos no sono por um bom tempo, porque, quando abro os olhos, o sol não está tão forte como antes. Nossos braços estão encostados e eu não quero me mexer porque gosto da sensação da sua pele na minha, mas ele logo se levanta. Faço o mesmo e me pergunto há quantas horas estamos do fim do mundo. Não quero pensar na minha mãe, no meu pai, na Marzia ou no Kevin. Afasto o pensamento dos meus avós também, porque não quero ficar triste. Mas acho que é tarde demais para isso, porque ele sabe exatamente o que estou sentindo.

Sam está virado de frente para mim e o seu rosto é o sol. Não sei dizer se tem mais verde ou castanho na cor dos seus olhos, mas decido que, a partir de agora, essa é a minha cor preferida. Sua pele está levemente rosada, principalmente nas maçãs do rosto e nos ombros. Quero tocar nele, e acho que ele adivinha, porque suas mãos estão segurando as minhas.

"Antes que o mundo acabe, quero que você saiba como é quando outra pessoa dá o primeiro passo," ele diz, mas dessa vez não está sorrindo. Sinto minhas mãos tremerem novamente e meu coração bate depressa. Não sei se foi a menção do fim do mundo ou o fato de estarmos tão perto, e antes que eu decida se minhas pernas têm força o suficiente para sustentar o meu corpo, Sam segura o meu rosto e encosta os lábios nos meus.

Fecho os olhos. Meus braços escorregam pela sua cintura e, mesmo sem saber o que fazer com minhas mãos, elas percorrem a pele nua de suas costas sem pretensão. Assim como ele me beija, e eu o beijo de volta, sem pretensão. Sem obrigação. Sem esperar que aquilo seja mais do que é. Mais do que pode ser. E nós nos beijamos até a minha boca ficar dormente e o ar ficar mais espesso, em pé, sentados, deitados no chão, enquanto o sol se despede sutilmente.

E então eu abro os olhos, para que seu rosto seja a minha última lembrança na Terra. Ficamos assim, nos olhando, em silêncio, esperando que nossas vidas sejam tomadas com o vento.

Até que passa tempo demais.

E o vento não vem.

E nós continuamos ali.

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n/a: Oi, gente! Esse conto faz parte da antologia Resilientes,  um projeto bem legal do @SeLigaEd que reúne diversos contos LGBT+, escritos por vários autores brasileiros que, como eu, apoiam a causa e lutam por um mundo mais igualitário. Obrigada pela leitura e espero que tenham gostado. Vocês ajudam bastante favoritando os capítulos e deixando feedback nos comentários. 

O último dia (conto gay)Where stories live. Discover now