Parte 4

460 99 47
                                    

Assim que colocamos os pés para fora da calçada, Sam puxa um maço de cigarros do bolso e me oferece um. Balanço a cabeça, recusando. Nós sentamos em um canteiro e, enquanto ele procura pelo isqueiro, com o cigarro pendurado na boca, penso no Kevin.

"O pai do meu namorado morreu de câncer no esôfago. Nem mesmo com a notícia da doença o velho parou de fumar."

Sei que agora ninguém está preocupado em morrer de câncer, mas me sinto levemente vitorioso quando o vejo guardar o cigarro de volta na caixa.

"Você acha que é tarde demais para mim?"

"Acho que é tarde demais para todos nós, mas nunca é tarde demais para parar de fumar."

Sam sorri. Percebo que ele só tem covinha em uma das bochechas.

"Onde está o seu namorado agora?"

Dou de ombros, olhando para a rua. "Provavelmente a caminho do espaço."

"Sério?" suas sobrancelhas arqueiam em surpresa. "Você não parece muito feliz com isso."

A expressão em seu rosto me deixa envergonhado porque não posso discordar. "Sei lá, é um pouco estranho. Estou feliz por saber que ele vai ficar bem, mas isso não me faz ficar menos triste por saber que nós não vamos. Que ninguém aqui vai."

Sinto sua mão deslizar pelas minhas costas num gesto carinhoso. E assim, no instante seguinte, esqueço completamente a existência de Kevin. Sam tem o cabelo preto, ondulado, e traços bastante expressivos – até meio angelicais, apesar de não conseguir desvincular a sua imagem de uma escultura neoclássica. Tipo um imperador romano ou um Deus grego impiedoso. Dura, fria e extremamente intensa quando está sério, mas suave e desconcertante quando vem acompanhada de um sorriso. Essa segunda é a que mais gosto.

Acho que é ele quem está levemente desconsertado agora, quando me dou conta de que passei os últimos segundos olhando para os detalhes em seu rosto.

"Quais são seus planos?"

"Fora morrer aos 17 anos e virgem, acho que não preparei mais nada pra hoje."

"Posso te ajudar com isso," ele diz, depois de uma gargalhada enrouquecida. Sinto uma pontada no estômago. "Não com essa coisa da virgindade, sem pressão nesse departamento. Mas adoraria ser o seu plano, se você quiser."

E eu quero. Sinto o meu rosto esquentar e não consigo evitar a urgência de desviar o olhar, então sorrio para o outro lado da rua, esperando os meus pulmões esvaziarem. Sei que não há nenhuma malícia por trás de seu convite, e talvez esteja levemente decepcionado por isso, mas gosto da alternativa de fazer de Sam o meu plano e, em troca, me fazer o seu.

"Acho que é melhor do que passar o último dia na Terra sozinho," finalmente respondo e ele oferece a mão para me ajudar a levantar.

Sam não me solta quando estamos os dois de pé, um de frente para o outro. Ao invés disso, sinto seus dedos se entrelaçarem aos meus, o que me deixa nervoso porque sei que minhas mãos estão tremendo. Por um instante, acho que ele vai me beijar, pelo modo como seu olhar se divide entre os meus olhos e a minha boca, mas Sam apenas sorri mais uma vez antes de me puxar pela calçada.

O último dia (conto gay)जहाँ कहानियाँ रहती हैं। अभी खोजें