O Dia Em Que Aprendi A Amar

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Quando eu chegava em casa estressado pelos gritos dos Nycticebus, meus pais riam de mim. Zombavam: como um macaquinho tão fofo, parecido com um urso de pelúcia, poderia estressar alguém... Mal sabiam eles que o tal macaquinho de aparência indefesa é venenoso e pode matar um homem com uma simples mordida. Essa situação me levava a ver como seres humanos são cegamente enganados pelas aparências, transformando-se em meras presas. Indagava-me sobre onde foram parar nossos instintos de segurança, desarmados tão facilmente por um par de olhos amistosos que parecem expressar medo e ternura. Será que viver em uma sociedade que se autodenomina racional afetou tanto assim nossos instintos primitivos ao longo de todos esses séculos? Nessas horas, em outros tempos, via claramente o que a vida em sociedade tinha feito às pessoas, assim como aos meus pais – expostos a todo tipo de perigo sem discernimento real, vivendo em mundinhos que os engoliam e se tornando tão irracionais como os próprios animais de que eu cuidava. Isso era o que eu pensava quando estava totalmente cego pela minha razão, cheio de arrogância e superioridade.

Não me importava com ninguém, a não ser comigo. Não conseguia entender a necessidade de as pessoas quererem estar rodeadas por outras pessoas; na verdade, até compreendia, mas não julgava valer a pena devido à onda de emoções que isso proporciona: brigas incessantes pela defesa de ideais, os modos baixos e covardes usados para se conquistarem coisas ou pessoas, mentiras, sentimentos vazios e mais brigas... Fazer parte disso não era algo que me agradava. O convívio me repugnava! Por isso, eu fugia... Ia para um lugar em que nada disso poderia me alcançar. Um lugar onde o silêncio impera e que acalma minhas tempestades: o mar.

Ansiava loucamente pela chegada do sábado e, quando ele nascia, pleno e arrebatador, pulava da cama e não fazia nem questão de um café da manhã em família. O que eu desejava mesmo era me encontrar logo com as ondas, içar as velas do meu veleiro e velejar até alcançar o alto-mar, onde apenas os tons de azul predominam – na água e no céu –, e o horizonte apaga qualquer vestígio da civilização. Sempre, quando chegava nesse ponto, eu parava. Era o único momento em que parava durante a semana, ficando a sós com os meus pensamentos. Ouvia apenas o som das águas e da minha própria respiração, sentia o balançar das ondas, a brisa fresca do oceano... Podia tocar o mar e às vezes até ver alguns peixes a nadar ao redor do meu veleiro. Que paz! Todo o burburinho dentro de mim se calava perante aquela calmaria. A sensação era perfeita, e, quanto maior o tempo que eu permanecia ali, mais feliz eu me sentia. Achei que essa felicidade seria crescente e infinita, mas, com o passar do tempo, comecei a sentir falta de algo que não sabia o que era. Voltar para casa nunca me agradava, mas descobri que a calmaria havia ganhado um novo nome: solidão.

Acreditava que se ocupasse meu tempo em alto-mar, talvez ela fosse embora. Cheguei a aprender a pescar. Contudo, isso me deixava ansioso, porque eu tinha que ficar muito atento ao momento certo de puxar a vara, causando-me muita tensão. Também comecei a desenvolver o péssimo hábito de me cobrar a nunca voltar para casa sem um peixe grande... Vi, então, que essa não era uma boa solução para o meu problema, já que perturbava minha paz e ainda não tirava minha solidão. Inquieto, aos poucos, não tinha mais vontade de estar ali. O problema nunca foi o mar ou sua formosa vista, era excepcionalmente eu. Queria compartilhar meus pensamentos com alguém, alguém que me entendesse de verdade e fosse inteligente! E, se possível, não estivesse fisicamente ao meu lado. Foi aí que, certo dia, enquanto trabalhava e já estava exausto de ler relatórios, acessei um chat na internet e encontrei alguém como eu: uma espécie rara. Seu nome era Ana, também cientista! Ela era apaixonada por Mirmecologia – o estudo das formigas –, trabalhava com Botânica, mas sonhava em se dedicar apenas às formigas e se tornar um grande nome da Mirmecologia no Brasil. Compartilhamos histórias e casos e aos poucos nos tornamos bons amigos. Ela discordava sobre minha vida antissocial, entretanto, nos demais pontos, erámos idênticos, e falar com ela era como falar comigo, algo fora do comum – é, naquela época, eu ainda me sentia o último biscoito do pacote.

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