No banco de trás de um Celta

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   Acontece que eu sou uma mulher de extremos. Ou o sujeito que eu gosto é um deus grego, ou é uma besta. Ah, coitadas das bestas, nem sempre elas são feias. Apenas não se encaixam no padrão de beleza, estreito padrão que é esperado de todos nós. Isso é, de certa forma, volátil. Se decidissem que o certo fosse ser como Susan Boyle - e vejam, eu não faço ideia de quem seja a cúpula de idiotas que decide isso - você seria e ficaria feliz com isso. Agora, o padrão é e deve ser decidido por alguém. Então por que eu não posso redefinir meu padrão? Perdão. Quem disse que os homens devem ser assim? Pois bem, eu também não sei.

   A verdade é que a maioria dos homens que eu aprecio não são lá beldades. Não são bonitinhos e com uma carinha de carinhoso. A maioria são exóticos. Exóticos é a palavra mais gentil para se referir a eles que alguém possa usar. Talvez "fora do padrão" soe empoderador. Mas na prática, é feio mesmo a palavra corriqueira. Quando é uma mulher se "empoderando", é muito bonito. Quem não quer expor essas belezinhas na capa de uma matéria? Mas quando é um homem feito os meus ursinhos... Aí eu duvido que renda foto. Ora, ora, ora... Mas a mudança em prol da quebra de padrões não devia para todos?

   Quando chamei o Uber de novo para ir para casa, eu não vou mentir que tive a tola esperança que fosse o mesmo motorista que me trouxera até ali, um sujeito bonitinho, simpático. Já pelo nome no aplicativo, percebi que não seria. Mas não havia foto, então eu sequer poderia dar uma estrelinha adiantada pela boa aparência. Felizmente, quando o carro chegou, eu estava sem fone e exausta. Fora uma reunião cansativa, mas o pior nem era isso. Não tinha pão de chocolate no lugar que eu sempre ia. Pão de chocolate ou pain au chocolate, a quem interessar possa, é uma maravilha da pâtisserie francesa feita de massa de croissant com recheio de chocolate belga derretido e lascas de amêndoas em cima, com polvilhado de farinha branca. Ah, isso faria meu humor mil vezes melhor, qualquer reunião mais prazerosa... Eu venderia meus rins para o homem que me trouxesse um. Mas eu tive que me contentar com um éclair do tamanho do meu mindinho. Broxante, o mínimo que posso dizer. Conversar com o assessor puxa-saco de um deputado foi pior ainda. Mas o que eu podia fazer? Trabalho. Trabalho...

   Voltando ao meu retorno pra casa, mais dramático que o de Ulisses e sua odisseia, o motorista chegou e quando eu o encarei, soube que aquela seria uma viagem tão prazerosa quanto a outra. Não era um gatinho, mas um sujeito idêntico a outra paixão/tesão minha. Me lembrava, ainda que vagamente, uma paixonite que tivera na adolescência por um professor. De matemática, eu lembro até hoje. E quanto mais eu olhava, mais a semelhança aparecia diante dos meus olhos. E eu recordava, calada, as loucuras que já havia feito na escola pelo sujeito, como escrever cartas, poemas de amor que nunca foram entregues... E uma vez, na mais ousada delas, durante sua aula, me sentar lá no fundo e me tocar, pensando nele, em como eu adorava aquele homem...

   O sujeito era igualzinho ao meu professor. Era um homem grande, suas mãos enorme no volante. Eu não via bem o rosto - nada além dos olhos pelo retrovisor. Era como se ele tivesse roubado um carro e aparecido ali pra me tentar. Mas visões - sejam elas mortas ou não - não movem coisas. Muito menos são capazes de dirigir um Celta prata.

   O motorista foi sucinto, ainda que educado, e ficou apenas no cordial e padronizado da empresa "Boa tarde. Ah, quem dizer, já é noite? Esse horário de verão confunde". Sim, sim, eu só queria olhar pra ele. Jesus, só eu sei o que eu senti. O estacionamento do estádio ainda era no meio da nossa rota. Era minha chance.

   Não sei se era por ele parecer uma paixão tão antiga minha, ou por eu ser ninfomaníaca incurável, mas eu me senti bem à vontade para "trabalhar" no que eu faço de melhor dia e noite. Seduzir. De dia se chama persuasão, entre as paredes estreitas do Senado Federal. De noite, é sedução, putaria, chame como quiser. Aquele bom e velho olhar de "vamos" que todo homem conhece. Eu tive a sorte de estar num Uber, não num táxi, e vejam só, tinham pirulitos no porta-copos. Pirulitos. Decorados com uma espiral amarela, rosa e branca, as cores vibrantes como o céu azul que iluminava a cidade. Graças ao bom e velho horário de verão...

Sonhos de uma noite de tesãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora