1. Otto Rangel

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Otto


Tomo mais um gole dessa cerveja vagabunda. Meus olhos se perdem entre as brumas de fumaça de cigarros baratos, que se dissipam entre as luzes vermelhas e negras. O burburinho do puteiro decadente não consegue abafar o som da canção I Am... I Said, do Neil Diamond, depois de ter tocado um monte de sertanejo universitário, para o meu desespero.


Os homens acostumados com a lida dura no campo estão ali, em busca de alívio para o corpo e sentidos, nas curvas das morenas brejeiras, ou loiras tingidas, de maquiagens fortes, corpos carnudos – nem todos tão atraentes –, e roupas de lycra, coloridas e ordinárias.


Alguns dançam como casais, na pequena pista entre as mesas. E sorrio impressionado. Parecem mais os jovens casaizinhos formados nos bailes das sextas-feiras, no Love Music, um barzinho que toca sucessos dos anos 80 e 90, na cidade de Mundo Verde.


Nesse instante, esses homens parecem os donos de seus destinos, como se cortejassem a mais pura mocinha e não, mulheres da noite, que já viram tantos paus na vida, quanto enfermeira de maternidade. E tudo que elas querem é o dinheiro difícil deles, conseguido debaixo de suor e do trabalho braçal. Uma troca justa, assinto. Pois elas são os objetos dos desejos escrotos e receptoras de trepadas frustradas.


Reabasteço a minha caneca. Refestelo-me numa mesa reservada mais ao fundo do cabaré. Chacoalho o meu cérebro já afetado pelo álcool, para que busque novas conexões.


A vida dos homens sedentos por sexo não me interessa. Já basta a minha. Rodo até esse muquifo pestilento para Sorya chupar o meu pau. Só quero atender ao meu corpo, sem envolvimentos. Desde que fiquei viúvo, não consigo me meter em relacionamentos. Sim, até tentei, mas é difícil lidar com toda essa merda passional, de carinhos e atenção, que uma relação exige. A verdade é que não estou disponível para me apaixonar. Eu amo a minha mulher. Só que ela não está mais comigo. Deus a roubou de mim.


Enfim, prefiro foder, vez ou outra, com alguma mulher que me dá mole nas saídas noturnas por bares e festinhas. Ou então, Magali, a assistente social que faz umas pesquisas para mim no hospital. Mas quando não há ninguém... (confesso, na maioria das vezes não há), venho aqui, no puteiro, comer a safada da Soraya. Depois encho a cara, tentando esquecer do ódio que, dia e noite, e por anos a fio, abusa de minha mente e coração.


Acendo um cigarro.


Comumente não fumo, mas quando bebo sozinho não abro mão da porra do cigarro entre os meus dedos. Sou médico, mas não tenho amor a vida, por tanto, não me importo com a saúde. Vivo cada dia assombrado por uma dor e um ódio cortantes que dilaceram o peito.


Seguro o cigarro com as pontas do polegar e indicador. Dou uma longa tragada. Fecho os olhos e me encontro quase diante do sorriso de Milena, minha mulher, grávida de oito meses, na última visão que tive dela, várias horas antes dela entrar naquele carro, tarde da noite.


Ainda posso sentir o cheiro do xampu em seus cabelos. O odor de sua pele, o frescor de seu semblante e a textura de seu toque sobre o meu corpo. Mas o que permanecem vivas em minhas memórias são as formas de sua barriga, a dimensão da gravidez e os pontapés de Luísa, a minha filhinha. A neném que carreguei morta em meus braços uma única vez. E, de forma brutal, fui impedido de ver o seu sorrisinho, apertar as suas bochechas e vê-la sorrir e crescer.

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