Traições e Trilhos

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    Minhas amarras nas mãos estão apertadas, laços firmes prendem minhas mãos juntas. Meu olhos estão fechados apesar de não ter vendas neles, me sinto vendada, cega ou apenas como a míope que eu sou. Ao abrir os olhos, vejo o rosto, ou pelo menos a máscara de Snake. Atrás de si, consigo reconhecer que estou num ônibus de linha. Ele me olha com olhos verdes penetrantes, seus grandes olhos para me ver melhor. Como um lobo prestes a atacar sua presa, é exatamente como me vejo. Uma ovelha, uma droga de uma ovelha negra sendo devorada por um lobo feroz e destruidor. Percebo que ele não para de observar minha pulseira, não entendo a fixação pelo objeto. Como se percebesse que vi o que ele estava olhando, ele ergue o pulso e me mostra seu relógio. Aquele relógio fino, não parece ser o tipo de coisa que se passa despercebido em seu braço forte claramente masculino. O que me dá ainda mais pistas sobre quem ele é, um homem com um relógio barato. São 21:00 e acredito que tenha me mostrado para que eu soubesse a hora da minha morte, a hora que minha família verá após a autópsia detalhada do meu corpo que ira ser o que? Desmembrado? Destruído? Ele puxa a manga e me mostra uma pulseira idêntica a minha, o que parece impossível. Era uma bijuteria comum, porém muito antiga. Perdi as contas de quantas vezes tive que levar em algum lugar para ser consertado, pois é extremamente frágil. Duvido que alguém teria tido o mesmo cuidado que eu em algo tão barato, pois aquilo não tinha valor material. 
    Ele tira minha mordaça e me recuso a deixar as lágrimas quentes caírem de meus olhos marejados que já não aguentam mais chorar, eu me recuso a deixar que este monstro veja minha fragilidade. Ser frágil não é ser fraco, mas ser frágil na frente de pessoas más, pode ser a pior decisão de alguém. Ele pega um celular que não consigo reconhecer nada dele, pois está coberto por um pano. É quando começa a vir um som distorcido, uma voz esquisita e monstruosa dele.
 
  -Olá, bem vinda ao seu ultimo dia de vida. Espero que não se importe, mas trouxe alguém para você em seu ultimo dia de vida. - ele sai da frente me fazendo ver Letícia sentada, amordaçada, amarrada e desmaiada numa cadeira de madeira -Sua amiga tentou voltar para salvar você, mas olha só que pena. Ela está aqui agora com você, já que ela está aqui, que tal brincar com ela? - ele se afasta e pega uma faca indo para atrás dela.
  -Por favor, não faça isso. O que você quer? - grito para tentar fazê-lo parar, mas é ao fazer isso que percebo que minhas pernas estão soltas. Rapidamente crio um plano e sei que vou pôr em prática. 

    Quando ele volta a atenção para letícia que está acordando, vejo uma lata de refrigerante no chão, então chuto-a fazendo chocar contra a porta metálica do ônibus causando um barulho alto. É quando percebo que com sua atenção voltada para a porta, é a minha chance. Abro as pernas e me ergo correndo na direção dele, de uma forma que nunca corri tanto em tão pouco espaço antes. Levantei a cadeira com um impulso e desci de uma só vez na cabeça dele, fazendo-o cair ao chão e quebrando a cadeira, desconectando os braços dela, do assento em si. Puxo meus braços e logo estou liberta. Tiro os laços de Letícia e grito para que ela entenda que deve correr, então seguro sua mão e corremos juntas. Estávamos no meio dos matos do que parece ser entre uma estação de metrô e outra, mas ao ver uma luz, meus pés parecem saber a distância e a direção para onde correr. Estávamos correndo do que pareciam lobos. Corremos o mais rápido que podíamos até a estação e ao chegar na metade do caminho, vimos ele saindo do ônibus e correndo ao nosso encontro.

  -Corre, Letícia. Rápido! - minha voz era como um tornado que destruía qualquer vivalma que pudesse estar em seu caminho
  -Estou indo o mais rápido que posso, Jenna. - o medo tomava conta da sua voz 

 Subimos na plataforma e ao continuar correndo sobre ela, veio um trem que cortou o ar com sua velocidade. As portas se abriram e nos encontramos com ninguém menos que Pedro que estava voltando para casa depois do que pareceu uma bebedeira, pois estava com cheiro forte de bebida e cabelo bagunçado. Fora ele, o trem estava vazio. Entramos e a porta se fechou, então acho que isso quer dizer que estamos livres por enquanto. O trem começou a se mover e eu e Letícia sentamos, é quando Pedro pergunta

  -Gente? o que aconteceu? Procuramos vocês por toda parte.  -diz Pedro assustado
  -Snake tava atrás da gente. Fugimos do cativeiro agora mesmo e não sabemos explicar muito. - falo tudo muito rápido e nem eu mesma sei se entendi
  -Tá tudo bem, eu estou aqui. - Pedro abraça nós duas e me sentiria segura naquele abraço por mais 3 segundos se uma voz estrondosa e arrepiante não tivesse emanado do som do vagão.
  -Acharam mesmo que seria fácil fugir de mim? Idiotas insolentes. 

     O trem para, então nos desesperamos batendo nas portas e gritando como se alguém fosse capaz de ouvir um bando de adolescentes histéricos clamando a Deus por nossa própria vida. Me vi a salvo quando vi uma trava de emergência na porta do meio, então puxei e abri a porta com Letícia do meu lado esquerdo e Pedro do lado direito. Quando a porta se abriu, ele estava lá. Snake me puxou pelo pé com toda força, arremessando a mim no chão onde bati com força a cabeça. Snake levantou a faca que antes seria a arma da morte de Letícia e ao tentar desferir um golpe fatal, Pedro se jogou sobre ele fazendo-o cair. Snake rapidamente se virou no chão ao meu lado e penetrou a faca no abdômen de Pedro, que sangrou enquanto ele retirava a faca e penetrava novamente várias e várias vezes. Tinha sangue por toda parte e depois de tudo, ele ainda olhou pra mim. Foi quando Letícia puxou minha mão e me levou correndo para a próxima estação de metrô, então no caminho olhei pra trás e vi Pedro ser arrastado pelo pé. Me doía o mais profundo da alma ter que vê-lo daquela forma, tão frágil e sem vida. Meu coração apertou, mas segui em frente. Saímos pela estação mais próxima e não avisamos a polícia, pois não podíamos. Da mesma forma que um assassino pode excluir e limpar tudo de uma cena de crime como aconteceu com Evellyn, poderia fazer o mesmo com Pedro. Poderíamos ser acusadas se falássemos algo. Fui para casa e minha mãe me viu com as roupas rasgadas. 

  -Onde você estava? Te liguei quatro vezes e não me retornou?
  -Mãe, eu... - pensa rápido Jenna -fui assaltada. Me levaram tudo. Tentei fugir e eles me bateram. 
  -Meu Deus, Jenna. Vem cá. Tá tudo bem agora, filha. Vai tomar banho e depois pegue a encomenda que chegou para você dois minutos atrás, está na mesa. 
  -Não sabia que o correio entregava até a meia noite. - falo incrédula

    Me molhei e após um banho lento, enchi minha cabeça de questionamentos e medos. Ao pegar a encomenda, percebi que não era o colar que comprei num app de compras chinês. Eram cartas para uma mulher chamada Joana, mas o que mais me assustou foi o remetente. "Antônio", o nome do meu avô estava naquelas cartas. Fui ao meu quarto e li todas, eram cartas de amor do meu avô para uma mulher casada e as datas batiam com as datas das cartas que o meu vô mandava para a minha avó, tem até uma de um dia antes da morte deles. A carta dizia:

"Cara Joana, meu coração palpita sem teu seio junto ao meu, sinto falta o teu carinho, teu afago, teu ninho de amor me faz transbordar de felicidade, teu cheiro suave é como flores recém tiradas do meu jardim de felicidade. Teu sorriso é como o próprio sol me queimando com veemência a pele de pouca melanina, eu já não sei mais viver sem ti, mas não posso abandonar tudo o que contruí para viver um amor impossível que não tem futuro sem uma carga de possibilidades que não vivemos de tudo o que não criamos. Não posso deixar a família que construí e você não pode deixar seus filhos sem uma mãe. Afinal, que tipo de pessoa seria eu se fizesse isso? Me perdoe mas Não poderemos fugir amanhã, terei que desistir de tudo por você e não estou pronto para isso ainda. Irei na casa da minha irmã e prefiro nunca mais vê-la novamente. 

com carinho de seu amante, Antônio." 

Tá, eu não estava pronta para isso. Tem outra carta por trás dela, mas a escrita era diferente e não tem remetente. 

"A culpa é toda sua. Sua família carrega a destruição nas veias e encontrei a única forma de vingar todas as mortes que causaram. Sua família vai pagar com a língua tudo o que me fizeram."

Era oficial, eu era o alvo de Snake. De alguma forma, a culpa de tudo era minha e eu estou com medo de ser a próxima. Espera, tem mais algo dentro da caixa. Ao tocar sem ver, dou um gritinho que logo se torna um grito estrondoso depois de enxergar o que era. Era uma língua falsa que estava lá dentro e tem algo escrito nela.

  "Olhar de fora, é a melhor forma de saber o que tem no interior" 

    Não quero ver essa língua assustadora nunca mais, então decido jogar pela janela do meu quarto que dá de frente para um beco. Ao abrir a janela, me deparo com o corpo de Pedro pendurado pelo pescoço em minha janela. Eu grito e me ajoelho chorando, eu não sei o que fazer, então grito chorando entre os soluços que me fazem sufocar por dentro. Com os olhos fechados direcionados ao chão, ouço minha mãe entrar pela porta. 

  -O que foi, Jenna? O que aconteceu? - diz ela assustada se ajoelhando ao meu lado. 
  -Aquilo, mãe. - enquanto choro, aponto para a janela. Mas quando abro os olhos, percebo que o corpo não está mais lá.
  -Aquilo o que?
  -Espera, mas estava aqui. -ponho minha mão na janela e me viro novamente para a minha mãe que me olha incrédula.
-Jenna, vá dormir e só grite assim novamente se alguém estiver aqui para te matar. Caso contrário, vá dormir.

    Eu fiquei sem entender. Poderia ter sido uma alucinação? Eu estou quase aceitando que me tornei uma louca, quando olho minhas mãos e tem sangue nelas. Volto a janela e vejo um pouco de sangue em suas bordas, então pego água no banheiro e jogo para limpar. Eu não posso falar a ninguém sobre isso, ou pelo menos ninguém fora meus amigos.

Olhos FechadosWhere stories live. Discover now