-- Podemos subir o Rio Celeste. Ele nasce nas montanhas de Aka e cruza todo o país de Ao até o mar – Takako mostrou um mapa no computador da ponte de comando – E não estamos longe de onde ele desemboca, podemos chegar à capital em menos de um dia.

O capitão aprovou a ideia e logo pôs o Genbu em movimento. Dessa vez, Mikoto não sofreu tanto porque não se distanciaram da costa, e a embarcação balançou muito menos quando passaram do mar para o rio.

Durante a viagem, Sayuri e Takako voltaram à prática com o ofuda. Mikoto percebeu que a força do kami que ela conjurasse dependia de sua vontade. Só precisava se concentrar para que o vento que saísse do papel não fosse um tornado nem um soprinho.

Foi com muita alegria quando escreveu "fogo" e conjurou uma pequena chama que dançou na palma de sua mão sem queimá-la.

-- Você aprende rápido – Sayuri comentou impressionada.

Com o fim das aulas práticas com ofuda, Takako passou para um assunto mais teórico. Ela perguntou a Mikoto:

-- O quanto você sabe sobre youkai? Com certeza deve ter lido sobre eles pelo menos em livros infantis.

-- Sim, mas faz muito tempo.

-- É melhor rever o que sabe, então. Saber sobre eles vai fazer toda a diferença quando os encontrar. Para começar, o que você viu de madrugada tinha muitas caudas e voava, então é bel provável que fosse uma kuko, uma kitsune do elemento ar.

-- Elas são famosas pela crueldade. Cuidado se encontrar uma – Sayuri explicou.

-- E ainda tem youkai que se parecem com humanos ou podem se disfarçar de um. Há a possibilidade de Yasha ser um desse tipo.

O Genbu navegou rio acima o dia inteiro e à noite, e antes que o sol nascesse, chegou à capital do país de Aka. As três miko desembarcaram logo que o movimento da cidade começou e se dirigiram ao palácio governamental.

Este era tão grande quanto o do país de Ao, mas dessa vez Mikoto conteve sua surpresa, e estava pronta para ser deixada na entrada quando Takako pôs a mão em seu ombro.

-- É melhor entrar conosco dessa vez, para o caso de ver algo do seu sonho.

Um funcionário do palácio informou que as três teriam que esperar, pois o rei Sujin estava em reunião com outra pessoa. Enquanto aguardavam numa sala mobiliada com alguns sofás e uma mesinha de centro, Mikoto não parava de pensar que devia sair dali, algo lhe dizia que era Yasha que estava com o rei naquele momento.

Ela transmitiu isso às duas primas, que se entreolharam antes de Sayuri sugerir um meio de tirar a limpo essa suspeita.

Mikoto pôs a cabeça fora da sala e perguntou a um guarda que passava no corredor:

-- Onde fica o banheiro?

O guarda não disfarçou seu descontentamento em acompanhá-la ao banheiro mais próximo, e indagou ao chegarem:

-- Consegue voltar sozinha?

-- Sim, consigo – Mikoto entrou no enorme banheiro e esperou que o guarda se distanciasse para sair de novo e começar a procurar.

Ficou surpresa ao reconhecer alguns daqueles corredores, vira-os em sonhos, e rapidamente encontrou o que procurava: a porta da sala onde o rei Sujin falava com alguém. Mikoto olhou pelo buraco da fechadura, grande como tudo ali, e viu Yasha no meio da sala.

Ela estava diante do rei e outras pessoas que deviam ser seus conselheiros, ministros ou algum outro desses cargos que Mikoto não entendia. A mulher discursava:

-- Aka tem desfrutado de uma paz que dura séculos, conquistada pelo esforço do povo e dos governantes que o antecederam, e agora tudo vai ser posto a perder graças à imprudência de um rei ganancioso. Ao está a poucos passos de iniciar um conflito armado, e Aka precisará se defender.

"Eu proponho, senhoras e senhores, defender esta terra, com todos os recursos que estiverem disponíveis. E eu trago o recurso que garantirá a vitória. "

Ela se agachou e tocou o chão com as pontas dos dedos. Um círculo surgiu no piso de cerâmica a partir de onde ela tocara, espantando todos os presentes, e dele brotou um gato do tamanho de um porco, de pelos cor de fogo e uma longa cauda em cuja ponta dançava uma chama azul-vivo.

Um youkai de verdade, na frente dela. Agora sim acreditava, e o que Takako e Sayuri falaram não pareciam mais loucura.

Mikoto teve que suprimir seu espanto, pois Yasha pôs a mão sobre as costas do bakeneko casualmente e prosseguiu:

-- Eu pertenço a uma família cujos poderes foram proibidos e esquecidos depois da ascensão do clã Kairiku. Nossa linhagem tem o poder de invocar e domar youkai a nosso bel-prazer.

"Esta é a ajuda que tenho a oferecer. Meus youkai fortalecerão seus exércitos, e vencer Ao será uma tarefa fácil. Tudo o que peço em troca é sua confiança, majestade, pois além dos youkai, também posso dizer onde mirar em Ao, para ataca-los onde dói mais. Comigo a seu lado, sua vitória está garantida. "

Sujin estava claramente interessado na oferta de Yasha. Mikoto sabia que devia fazer algo, e se fosse Sayuri no seu lugar, já teria invadido aquela sala, mas a mera visão de Yasha do outro lado da porta trouxe de volta o medo que sentiu na primeira vez que a vira, e agora seu corpo enrijecido voltava a estremecer.

Elaainda tentava controlar o tremor para tomar uma atitude, qualquer que fosse,quando o que viu fez seu sangue gelar. O bakeneko farejou algo e voltou o rostopara a porta, os olhos fantasmagóricos mais azuis que a chama pareciam enxergaratravés da fechadura, olhando Mikoto nos olhos.

O Conto da Donzela do SantuárioKde žijí příběhy. Začni objevovat