➾ CAPÍTULO 11.4: (Des)Conhecidos

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— Só que esse alguém não sabe nada sobre ela. Molly é como uma estranha pra mim...

— Não diga isso. — resmunga num tom trêmulo, suas mãos se esgueiram vagarosas até as minhas.

Estávamos sozinhos na antessala, ela se concentrava em seu bordado enquanto minha mente exercia a teimosa mania de relembrar memórias esquecidas. As brasas da lareira eram nosso único falante, as fagulhas estalam, saltando uma por uma fora do carvão chamuscado.

A chaminé bocejava despejando sua fumaça pelo ar, sem a pretensão de se esnobar dentre as diversas torres da zona fabril, ela vomitava faíscas dentro de casa e gargarejava fogo.

As pessoas só enxergam uma estrutura velha fazendo o seu ofício, embora de qualquer jeito, enquanto eu só vejo um monstro que o ser humano diz ter domado sem ao menos conhecê-lo totalmente.

— Sabe... — ela começa, dando-me atenção. — Ela adorava pizza de calabresa, vivia saindo em incontáveis pizzarias e devorava todas elas. Dizia que era uma forma de descobrir seu paladar.

Sua risada se juntou a minha, ela por suas memórias tão vívidas, já as minhas são pela desconstrução de uma irmã ranzinza e chata que construí ao longo do anos.

Ela era tão legal assim?

— E também era uma maneira de se aproximar de você. —  confessou-me assistindo minha expressão mudar, eu estava surpreso. — Molly adorava sair com você, mesmo com apenas quatro anos... — mamãe riu pela lembrança, seus pés se agitam rapidamente sinalizando que sua velha mania voltou. — Ela também tinha uma lambreta que te levava em todo lugar e te mostrava a cidade milhões de vezes, mesmo sabendo que você nunca lembraria de nada depois, Molly amava passear com você. Ela… Ela amava você.

— Amava todos nós. —  acrescento pondo a mão por cima da sua, seus dedos se entrelaçam inconscientemente.

— Então porque ela fez isso conosco? — balbuciou chorosa, sua outra mão tremia deixando cair a agulha no chão, mas seus olhos melancólicos não desviavam os meus. — Por quê?!

— Camélia! Deixe o garoto. — ordenou Dantas, adentrando o cômodo com seu costumeiro caminhar cansado e a voz autoritária. — Michael, não chateie sua mãe. Não vê que ela está exausta?

— Sim... Desculpe mamãe. — falei me esquivando de seu olhar acusador, ele mantinha um domínio estranho pela casa.

Camélia assentiu ao meu pedido e beijou o dorso de minha mão esboçando um sorriso tímido, seus olhos marejados são enxugados rapidamente antes que seu marido perceba, e então se levanta levando os instrumentos de costura ao seu quarto.

Ela não disse nenhuma palavra, nem ao menos se dirigiu ao papai, suponho que a discussão da noite passada tenha acabado mal.

Ela não tinha sinais de machucados no corpo dessa vez, devia me preocupar?

— Como foi seu dia, papai? — indago mais por educação do que realmente interesse.

— Foi bom, diga a Nelly que o jantar deve ser servido agora. — mandou, retirando seu terno bem cortado e o jogando em cima da poltrona onde mamãe havia sentado a poucas horas. — E diga a sua mãe para se arrumar, virá uma visita aqui. Um velho amigo que deseja fechar negócio comigo, não quero que vejam como uma sombra pode ainda assombrar minha casa. Entendido?

— Sim, senhor.

O vejo marchar rumo ao seus aposentos como um soldado treinado, parecia pleno e confiante sobre tudo que desejava dobrar aos seus pés, afinal, não havia alguém que não fosse persuadido por ele, mas seu olhar não mentia – talvez fosse a única coisa que não conseguisse esconder. Ele tinha medo.

2# A LEGIÃO IRÁ REAGIR ᵐⁱʳᵃᶜᵘˡᵒᵘˢOnde histórias criam vida. Descubra agora