Abandono o pão com geleia, perdendo a fome e considerando. Ele se aproxima e beija o meu pescoço de um jeito molhado e nojento. Aperto os olhos, me lembrando que ele acabou de ligar o aquecedor por minha causa e sorrio. Tom gosta de mim. Só que o jeito dele é estranho. É isso.

― Tudo bem. Nos vemos mais tarde.

― Me surpreenda, ok? ― Ele olha na direção dos meus seios. ― Vamos nos divertir um pouquinho.

― Ok.

Ele se afasta, pegando as chaves do carro e batendo a porta. O apartamento começa a ficar quente e abafado. O aquecedor de Tom não é a melhor coisa do mundo. Mas supera o frio do lado de fora. Arranco o meu casaco peludo e fico olhando para ele por algum tempo. Foi um presente de Tom. Alguma mulher com quem ele transou esqueceu em seu apartamento e nunca mais retornou. Ele perguntou se eu queria. É a coisa mais quente que eu tenho. E veio de alguém que transou com o meu namorado, enquanto eu achava que era a única.

Eu meio que me acostumei com isso, desde então. Ele me chama de princesa, compra minhas comidas, transa comigo de um jeito entediante e fica com outras mulheres. Não sei se ele se importa que eu esteja por aí com outros homens. Pelo modo como ele riu da situação com Carson, acho que a resposta é não.

Carson Rowan.

Gostaria de ter um celular para enviar uma mensagem a ele. Mas não consegui permanecer em sua casa. A sua família foi gentil, considerando que eles acharam que eu era uma prostituta. Eu pensei em me aproveitar da comida e da ingenuidade dele. Mas não consegui.

― O que está acontecendo com você, Felicity? Sentimentalismo com um garoto bobo. Você está ficando fraca.

Abro os armários de Tom e puxo uma sacola. Coloco toda a comida que consigo lá dentro e pego meu casaco. Não quero ficar ali, esperando que ele chegue bêbado e me faça de boneca inflável. Vou levar a comida dele e me dar uma folga esta noite. Eu vou entrar no metrô e comer até explodir. Depois, vou esconder o resto da comida em algum lugar da cidade e vou voltar para o trailer dos Lewis sem nada. Para que nem Lewis pai, nem Lewis filho, enfiando a cara na maconha, roube o que eu mesma consegui.

Desligo o aquecedor do apartamento, fecho a porta com cuidado e deixo a chave embaixo do tapete desgastado. Assim que alcanço a calçada, acendo um cigarro. O trago é profundo contra a noite fria. Ao menos me deixa aquecida e me distrai daquela grande merda de vida. Embora eu saiba que não deveria estar matando o meu pulmão com fumaça preta e tabaco.

Puxo um chocolate da sacola. O caramelo não tem o gosto muito bom quando intercalo uma mordida com uma tragada. Mas me dá energia para descer até o metrô. A cidade está uma merda. Infestada de turistas prontos para ver o Big Ben tocar. Não tem nada demais em um relógio velho badalando. E é uma grande bosta ter que ficar desviando de gente deslumbrada do mundo todo. Um mundo que eu nunca irei conhecer.

Salto para dentro do metrô assim que atravesso a estação. Consigo um lugar em um vagão, no meio de uma senhora gorda com um cachorro dentro do casaco e um homem infeliz com um cachimbo apagado. Eu não sei, mas acho que ambos estão dormindo. Porque ninguém nota quando começo a dividir meu chocolate com o cachorro que treme sem parar. Nem quando eu coloco as cinzas do meu cigarro na cumbuca do cachimbo.

Tom compra coisas nojentas. Tudo o que é encaixotado e pré-cozido ele compra. Meu estômago não se importa, em todo caso. Separo as coisas com carne que peguei por engano. Vou dar para algum morador de rua. Sobro com alguns salgadinhos e biscoitos salgados que empurro tudo com um refrigerante horrível sabor mirtilo. Ninguém deveria comprar aquilo, mas Tom compra. E eu bebo porque não lembrei de roubar suas cervejas.

Quando a mulher gorda acorda, o seu cachorro começa a latir como se estivesse me denunciando. O homem de cachimbo dá um salto e os olhos de ambos parecem tão zangados que eu decido saltar na próxima estação.

Minhas botas batem contra o cimento gelado e antes que eu possa me dar conta, alguém agarra minha sacola.

― Ei! ― Puxo de volta. ― Isso é meu!

É um velho sujo com dentes assustadores. Uma mulher esquisita se junta a ele, como se eu estivesse em um ataque zumbi. O papel da sacola rasga e minhas comidas começam a rolar. É como se uma manada de elefantes aparecesse. Surgem pessoas famintas de todos os lados, roubando o que eu havia roubado.

Quando não sobra mais nada, eles desaparecem. Olho para o chão e algumas lágrimas sobem até meus olhos.

― Vida de merda.

Afasto o choro ao fungar profundamente e ergo o meu queixo. O foco da minha visão paralisa em um grupo de garotos descendo as escadas. Então, como se eu saísse do deserto escuro e gelado, um par de olhos azuis me envolve como um oásis.

― Sem chance... ― Sussurro.

Carson Rowan acaba de surgir magicamente no meu caminho. E odeio admitir que meu coração gosta de revê-lo. 

 

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GORGEOUS | Spin-off ✓Where stories live. Discover now