Capítulo 2

446 35 23
                                    

Com uma mochila nas costas e o capacete debaixo do braço, Cristina desceu a escadaria do prédio assobiando despreocupadamente.

— Bom dia — disse, com um sorriso simpático, ao cruzar com um vizinho que acabava de chegar de um passeio com seu yorkshire.

Ao sair na calçada, ela colocou o capacete sem se importar em desarrumar o cabelo. Subiu em sua motocicleta, uma das que estavam enfileiradas em frente ao prédio, e partiu.

O trânsito não fluía tão bem para um domingo, mas Cristina não demorou a pegar a avenida que conduz a uma das rodovias que saem da cidade. Dentre os caminhos que costumava fazer com frequência, aquele era um dos que mais gostava. Não apenas porque era uma linha reta em que podia acelerar e pilotar sua moto mais livremente, mas também porque a levava de volta para casa.

Embora fizesse alguns anos que Cristina residia no bairro de Salamanca, era ao percorrer as ruas de Villaverde que uma enxurrada de memórias e sentimentos variados vinham com tudo. O local que costumava ser um município independente, antes de se tornar, na década de mil novecentos e cinquenta, um dos vinte e um distritos que compõem Madrid, era conhecido por ela como a palma de sua mão. Havia crescido ali, vagando por aquelas ruas com os amigos, até se tornar adulta e optar por ficar mais próxima ao centro da cidade.

Em vinte minutos, estava em seu destino.

Seus pais já não moravam mais no apartamento apertado em que Cristina nunca pudera ter um quarto apenas seu. Depois que ela e Mario saíram de casa para viverem suas próprias vidas, eles haviam se mudado para um condomínio que ficava em uma área mais afastada, onde podiam viver com mais tranquilidade.

Após deixar a moto em uma das vagas para visitantes, ela subiu para o andar mais alto do prédio e tocou a campainha ao lado da última porta do corredor.

— Eu ainda não acredito que você fez mesmo isso — Carlota disse em tom de reprovação ao abrir a porta.

— Vai dizer que não ficou legal? — Cristina riu, passando a mão que não segurava o capacete pelos fios de cabelo.

A opinião da mãe a respeito de seu novo visual não era novidade. Depois de ver as fotos da viagem para Ibiza postadas nas redes sociais, Carlota havia mandado algumas mensagens, dizendo que a cor natural de seu cabelo, um castanho que ficava meio avermelhado no sol, era bonita demais para que Cristina o estragasse daquela maneira.

— Estou pensando em aproveitar que já está descolorido mesmo para pintar de azul ou verde. O que acha?

— Ah, faça-me o favor, menina! Você não tem doze anos.

Cristina adentrou o apartamento aos risos e a abraçou com um só braço.

— Você não era assim, mãe. Ficou careta demais depois que passou dos sessenta.

— Não sou careta! Você que anda rebelde demais para o meu gosto. — Carlota estreitou os olhos, observando-a por um momento, e deixou escapar um riso.

— O que foi?

— Estou imaginando você, de cabelo azul, apitando os jogos da primeira divisão.

— Depois não vem reclamar quando eu aparecer de cabelo colorido. Fica aí dando ideia — Cristina brincou. — Dá para acreditar que consegui chegar tão longe?

— Não é nada mais do que você merece, Cris.

Diante do olhar orgulhoso de Carlota, ela se viu impossibilitada de não se sentir um pouco emocionada.

— Você não vai me fazer chorar — falou, fazendo a mãe rir. — Me deixa dar um oi para o pessoal.

Cristina deixou o capacete sobre um banco que ficava próximo à porta de entrada e, sem dar tempo para que Carlota começasse com o costumeiro sermão sobre ela ainda não ter trocado a moto por um carro, se afastou em direção à sala de estar.

Regra CincoМесто, где живут истории. Откройте их для себя