A última criança que eu batizei.

iv

Ritos Finais

Vão achar estranho e que estranhem, eu não me importo, mas hoje não tomarei dessa hóstia, quero outra hóstia, desejo fortemente outro corpo e outro sangue, e não me sinto bem comendo a Cristo sem querer. É preciso ter paixão, ter tesão, e eu perdi o tesão no fino corpo arredondado de Cristo. Desejo as curvas daquele Cristo de vagina.

Era uma segunda-feira, dia de folga dos padres, e eu resolvi sair para me esconder detrás de óculos escuros e boina. Encontrei um bar distante perifericamente e me deparei com Cristo em forma de mulher. Feita de corpo e sangue e saliva e um instinto que não me era estimulado. Repreendi-me. Em meio a alguns "misericórdia", eu pulei naquele momento e resolvi ser outro. Ele mesmo se fez em três, e eu sou sua imagem e semelhança, agora quero exercer minha face de carne. Ser carne e consumir carne. O corpo de Cristo cruzava as pernas e mostrava a flexibilidade de todos seus membros. Aquele Cristo fumava e bebia e dançava. Criei a famosa coragem e segui seu olhar que incendiava por pura magia. Se era demoníaco ou não, eu não me importava em saber, só sabia que as carnes devem contemplar a presença espiritual de Deus. E Deus é mulher. Desce aqui, pombinha branca, desce aqui. Ela não dizia isso, mas eu imaginava. Queria poder chegar e dizer, "boa noite, eu trabalho numa igreja onde sou sacerdote, e você?" Já vi em algumas situações, os homens chegarem dizendo a profissão para poder ganhar a "gatinha". Eu ganharia um soco e uma tuberculose de castigo. Pega, seu filho-da-puta, vai querer desobedecer às ordens de Deus. Maldito deus esse que rompe as vértebras de quem não o segue. Não foi a esse que me sucumbi quando aceitei a vida em sacerdócio, mas a vida foi me mostrando que nem tudo o que se prega é, de fato, prego, alguns enganam com parafusos que fazem o sofrimento da entrada ser maior. Enrosca e enrosca. Não cede. Enrosca e enrosca, ela me dizia isso.

Como eu cheguei a ela, não me acordo bem, pois o álcool já me fazia certo efeito. Eu só pensava em deitar-me com aquele pedaço de carne que era pedaço de estrela e pedaço de sentimento que me estimulava a ter pensamentos claros e vívidos. Não me era preciso pensar em morte, naquele copo jazia vida e vida em abundância. Bebemos mais um pouco, e eu continuo sem lembrar como cheguei, mas ela me achou simpático. Ela era mais que simpática, ela movia minhas energias feito bichano e da mesma forma, arranhava com malícia minhas coxas cobertas por grosso tecido. Era entidade que erguia monumentos dentro de mim e me fazia pensar na criação e em Deus como ideia mundana que faz mais sentido na minha cabeça. E por falar em cabeça, sempre soube da existência de uma segunda cabeça no homem, a não pensante, a apenas agente de bênçãos e maldições. Qual das duas eu carrego? Ao lado dela, eu pensava não carregar nada além de desejos que nem a luxúria acomete. É pecado chamar a luxúria de pecado. Além de bela voz, suas palavras também eram sábias. E depois de muito diálogo, decidimos sair dali e visitar sua casa. Eu avisei que não morava em um bom lugar para visitas, que o dono não permitia fornicação em seu ambiente, era um templo sacrossanto livre de intempéries humanas. Ela logo roubou minha atenção com um beijo e me levou para sua casa. Santa minha língua que em beatitude proclama os evangelhos da carne lambendo sua vagina santa, onde tenho o corpo e o sangue. Santos nossos corpos em êxtase na brilhante sensação de infinitude cósmica santa dentro do amor cotidiano. É onde sinto amor.

E como eu sinto o amor de Cristo? Sinto nas carnes que vibram esse amor pulsante. Ah, como é bom o regozijo das intensas alegrias. E com esse amor, saudemos uns aos outros com o abraço do nosso Senhor Jesus Cristo, fiquem com Deus e voltem bem para casa.

Preciso ir embora daqui e sentir o amor em outros corpos e sangues. Mas não ficarei com Deus, ainda tenho vergonha de Ele me ver fodendo. Ah, porra.

[fim]