A última criança que eu batizei.

iii

Rito Sacramental

Agora, vamos todos ficar de pé para receber as oferendas. Cantemos.

Padre, terá batizado hoje,

Puta merda.

Perdão, meu povo, mas eu esqueci que vamos batizar uma pequena garotinha hoje. Recebamos as oferendas e nossa querida Fulana, que irá compor a eterna família cristã.

Impedem que meu sêmen seja fecundo. Logo eles que pregam a procriação dos seres. Eu não quero ter que mentir meus sentimentos. É difícil proferir aquilo que não me é verdade. Não sei como os maridos mentem. Acho que não saberia ser esse "homem de verdade" que mente à esposa. Mas eu minto. O que estou falando, eu sei mentir, e sinto a mentira corromper o coração, por isso preciso logo sair daqui e alugar um apartamento, onde eu poderei fumar meus maços tranquilamente, até mesmo do lado da imagem de Cristo, entidade de barro que me olha e guarda em momentos decisivos. Gozo ou não? Faço mais um cigarro ou não? Vem aqui em casa ou não? Quero uma cria tua que leve nosso sangue e tua cara, pois a beleza está em ti e não em mim, homem acabado por noites de insônia onde eu pedia perdão por ter pensamentos corriqueiros tão comuns a serem repudiados. Uma cria eu não repudio. E ele seria minha imagem e semelhança, não em feições físicas, mas em caráter. A pureza está dentro dessa carcaça que anda em decomposição.

Qual o nome da pequena?

É Jessica.

Que nome lindo. Eu te batizo com água em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Tão bonitinho esse bebê. Essa menina teve a sorte de ter um pai. Não me perguntaram bem se eu queria ou não ser pau, ser pai. Apenas, impuseram, a começar por minha mãe que vivia com a cabeça em séculos passados, e já que tinha filhas parturientes, o único homem deveria seguir o caminho religioso. Era o orgulho da mamãe. Não o meu que foi demasiadamente esmagado. Infelizmente, não obtive o sucesso mental da juventude, a epifania da idade de descobertas em que o cérebro torna-se falocêntrico. Tive, na verdade, mas me foi esmagado juntamente com todas as minhas coleções de miniaturas. Eu deveria começar a colecionar almas para o Reino de Deus. E o meu reino? Não posso também ser Rei? Não posso também ser Deus? É muita prepotência, mas essas carnes fazem-me lembrar todo santo dia que esse ser vivente um dia morre. E o que terá sido da minha vida senão fiz o que tive vontade? Quem morre de gosto não fede. Ouvi isso na infância. Eu federia muito. Ainda tenho chances de não feder.