Prólogo

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Heloíse

Os tiros ficavam cada vez mais barulhentos assim como o baralho da chuva, que eu diria que já estava virando uma tempestade. Mamãe estava assustada como sempre, porém essa situação é repentina.

Moramos um pouco abaixo da favela da Rocinha, no subúrbio do Rio de Janeiro, escutar tiros por aqui não é nem um pouco raro.

— A chuva está me assustando – Mamãe sussurra.

— Não tem pra que mãe – olho pela a pequena janela vendo de como forte ela estava – É só uma pequena tempestade – minto.

— Heloísa não é porquê eu não posso andar, que eu não sei o que se passa aí fora – ela diz.

Minha mãe perdeu os movimentos das pernas após passar por dois AVCS, as sequelas foram muito graves, além disso enfrentamos uma batalha muito forte, o Cancer no intestino, o pior que tem, o médico disse que ela só vai ter alguns meses de vida, porém isso eu não contei a ela, não quero que ela se sinta angústia, não mais ainda.

— Eu juro mãe, é só uma tempestazinha – me sento no sofá ao lado dela que estava em uma cadeira de rodas.

— Estamos sem feijão – ela diz abraçando o próprio corpo.

— Eu prometo que assim que eu sair pra vender as flores amanhã, eu separo algum dinheiro para comprar algumas coisas que faltam aqui em casa.

— Me sinto uma inútil – ela diz suspirando.

— Não diga isso, além do mais, já estava na hora da minha pessoa assumir "o negócio da família" – falo rindo e ela também faz o mesmo.

— Você é uma menina de ouro Heloísa, tenho muito que agradecer em ser sua mãe – fala com os olhos marejados.

— E eu sua filha – Digo.

Socorro – um grito do lado de fora pode ser ouvido aqui dentro.

Olha a minha mãe assustada.

Alguém me ajuda por favor – Era uma voz de criança.

— É uma criança mãe – falo me levantando e indo até a porta.

— Onde você vai Heloísa? – minha mãe pergunta nervosa.

— Eu vou ajudar ela mãe.

— E se não for uma criança? E se for alguém querendo tirar proveito do tiroteio ? Por favor não vá – ela implora.

— E se não for ? Não posso ignorar que uma pessoa está precisando de ajuda mãe.

Ela não fala nada. Saio de casa sentindo as gotas da chuva caírem forte sobre mim. Os tiros tinha diminuído, mas a chuva não.

Socorro alguém me ajuda — A voz grita novamente.

— Onde você tá? Eu preciso saber onde você tá – Grito de volta.

— Eu.. Eu não sei aonde eu tô, só quero sair daqui – fala.

Aí meu Deus e agora? Okay calma Heloísa, você vai saber o que fazer, calma.

— Tudo bem, continua falando comigo que eu irei seguindo sua voz, tá bom? – falo.

— Tá certo – grita.

A chuva estava muito forte, quando eu achar essa criança a primeira coisa que irei de fazer é aquecer ela até não ter nem mais uma gota de água nela.

— Fala pra tia, como é por aí? — pergunto.

— Tem uma árvore enorme logo na frente, e uma carroça cheia de flores ao lado – ele diz.

Quando ele termina de falar me do conta que o lugar que o menino descreveu, é o meu "estoque" de flores.

Caminho até lá com pressa e vejo um pequeno corpo encolhido do lado da cerca de arames.

— Te encontrei – ele me olha com um sorriso no rosto e logo me abraça.

— Obrigada, obrigada, eu estava com tanto medo de morrer que nem eles – ele fala chorando.

— Calma, está tudo bem – acaricio seus cabelos – Vem com a tia, vou te levar pra minha casa. – falo.

Ele assente com a cabeça e segura minha mão com força. Saio correndo segurando sua mão, até chegar em casa. Abro a porta mais rápido possível e escuto o suspiro de alívio da minha mãe.

— Graças a Deus você voltou – diz aliviada — Quem é esse? – pergunta olhando para o menino que estava se escondendo com vergonha.

— Me chamo Arthur – diz fraco.

— E onde está seus pais Arthur? Eles sabem que você está por aí sozinho? – minha mãe pergunta com a sombracelha arqueada.

— Irei da um banho nele, deixar ele bem quentinho e depois iremos procurar seus pais – falo enquanto pegava uma toalha limpa.

— Eu não tenho mais pais tia – ele abaixa a cabeça.

— Como assim você não tem mais pais meu amor? – me abaixo ao seu lado.

— Eles mataram ele, eu tive que correr porque a minha mãe pediu, ela disse pra eu correr o mais rápido possível, antes que eles pudessem me alcançar – ele conta chorando.

— Eles quem?

— Os traficantes, os caras mau – suspira.

— Meu Deus do céu, porque os traficantes mataram seus pais? – minha mãe pergunta.

— Eles deviam aluguel, e não estavam conseguindo pagar – ele chora.

Meu Deus do céu, pobre dessa criança, mal nasceu e já tem que ligar com um dos piores problemas da vida que é virar órfão.

— A gente vai te ajudar ta bem? – minha mãe fala.

— Eu não qquero incomodar – ele diz.

— Não incomoda meu amor, uma boca a mais aqui não irá fazer diferença, além do mais a gente precisa de uma criança aqui para animar as coisas – falo e ele me abra um largo sorriso.

— Obrigada tia – me abraça forte – Obrigada vó – abraça minha mãe que arregala os olhos quando ele a chama de vó, mas logo da um sorriso e o abraça em seguida.

— E quantos anos você tem? – pergunto me levantando.

— Oito anos, já sou um rapazinho – diz se achando e eu do risada.

— Lógico que é, mas esse rapazinho precisa de um banho de água quente agora – falo e coloco a água pra ferver.

— A gente vai ser uma família agora? – pergunta olhando pra mim e pra minha mãe.

— Sim, iremos ser uma família agora! – ele abre novamente o sorriso, mas agora é um sorriso aliviado.

A menina das flores.Where stories live. Discover now