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Eu tive que usar de toda a minha paciência e apego que eu tinha por não morrer de fome para não perder o bom senso no ar. Mas saber que além de me evitar, ele ainda tinha ligado pra terminar com o restinho de orgulho que eu tinha era demais pra mim. 

Acima do nosso esfrega esfrega estava nossa amizade, viramos amigos no primeiro dia da pré-escola e eu achava impossível que isso não contasse mais dentro daquele coração de gelo. 

Recuperei o fôlego e me muni de ressentimento, meu tom saiu mais azedo que o normal. 

- Não é bem assim que funciona aqui na Mbcdream, Saeng… eu pergunto e você responde ou os ingressos serão meus.

- Tudo bem, mas antes eu vou te fazer a mesma pergunta que você fez para os azarados antes de mim. Você está apaixonado? 

Engoli em seco. Parece que novamente é dia dos humilhados serem humilhados. A irritação era quase palpável saindo dos meus poros.  

- Estou, pena que a pessoa é burra demais para entender. Percalços da vida. Você acredita no amor? 

Soltei rápido. 

- Acho que é super estimado - Ele respondeu desdenhando de mim. - Você acredita?

- Não, amor é uma cilada inventada pela sociedade carente. - Eu já estava bufando. - Você é fã do ZICO? 

- Sim, esse cara é demais! Você com certeza é, né Hyung?

Eu podia imaginar ele sorrindo largo e travesso e por um momento eu errei as batidas do coração. Mas Santa Cher me acompanha e me fez lembrar rapidinho que eu estava furioso. 

- Eu não, qual é a dele? Está tentando se passar pelo GDragon? Pelo menos dá os créditos para o cara. 

Além de um rostinho bonito, eu também conto com uma lingua afiada e por sorte essa havia doído até em mim. Meu produtor me mandava cortar a chamada já que isso tudo estava demorando tempo demais, mas eu não conseguia parar, meus sentimentos eram mais fortes e agora já não existia nenhum resquício de racionalidade em mim. 

- Tudo bem, você não gosta do ZICO. Sorte que quem vai levar os ingressos sou eu. Qual você diria que é o seu maior defeito, Hyung? 

- Dar ouvidos pra gente atrevida que liga pra rádio. Mas por sorte nosso tempo está acabando. Qual seu maior defeito Jiho-ssi? Pense bem, essa é  última pergunta.

- Não! - Ele disse com certa pressa. Eu até poderia me compadecer, mas o conhecendo, a afobação só me fez esboçar um sorriso. - Você não me fez a principal pergunta do correio do coração…

- Isso aqui não é o correio do coração. - Suspirei.

- Pois parece, você sempre pergunta se o seu ouvinte está apaixonado. 

Eu conseguia enxergar o bico nos lábios fartos dele derretendo minha armadura.

 Droga, Kyung!

Eu nem estava olhando para ele e mesmo assim conseguia me desarmar inteiro. 

- Seu maior defeito, Ji-ho. - Isso Kyung! Se mantenha firme uma vez na vida, pensei com meus botões. - Se for sincero, os ingressos são seus.

Conheço o Zico desde que tomávamos mamadeira e ele é obcecado por bom desempenho em tudo. Escola, carreira, relacionamentos. Normalmente em auto avaliações ele não conseguia sair do âmbito dos defeitos que todo sabemos que soam como positivos: Perfeccionista, obcecado por organização, fixação por ganhar, competitivo.  

Revirei os olhos já esperando esses adjetivos soberbos que eu tanto escutei, mas as palavras que ouvi a seguir não pareciam vir da mesma pessoa que conheci por tanto tempo.

- Sou covarde. 

Ele disse e o pouquinho de mim que queria desistir dele se transformou em nada. Não consegui mais formular frase alguma, apenas me silenciei resignado a minha própria confusão. 

- E não me importa que não pergunte, eu estou apaixonado! Mas fui covarde e com medo de ser rejeitado passei a ignorar e- 

- Os ingressos são seus - Eu disse atônito, eu queria rir, mas além de péssimo radialista ainda seria taxado como louco. 

- O que? - Ele perguntou confuso do outro lado da linha. 

- Você ganhou os ingressos, pode vir buscar… 

- Mas que porra Kyung e o meu correio do coração?! 

Eu comecei a rir, porque meu auto controle a essa altura já estava tomando sol nas bahamas. 

- Mas eu te disse que isso aqui não é correio do coração Saeng. 

Ele começou uma sinfonia de gargalhadas também e por um momento eu me esqueci, esqueci do rádio, do programa e que existia um mundo em que ele não era meu. E a porra do meu coração de molenga começou a acelerar. 

- Quer deixar um último recado para o seu namorado? 

- Mas eu não tenho namorado… - A voz dele pareceu murchar. 

- Você não tinha namorado. 

Eu corrigi como se tudo aquilo fizesse sentido, porque no meu mundo louco fazia, porque eu queria quebrar as minhas próprias barreiras e queria que dessa vez ele acordasse comigo na manhã seguinte. 

Ele pigarreou. 

- Eu te amo desde os quinze anos, amo suas pintinhas no rosto e seu jeito turrão, amo como fala demais… Estou bravo porque você nunca me deixa falar, por ter perdido tanto tempo e caralho… 

- Você não pode falar palavrão ao vivo! Boca de cemitério! - Ralhei. 

- Você não cala a boca, Hyung! 

Só então eu percebi que já não estava mais no ar, era apenas eu e a ligação em um estúdio da onde depois do vidro meu produtor me encarava com um expressão contorcida entre raiva e incredulidade. 

- Hyung… - Ele chamou ainda com a voz estática da ligação.

- Eu também, Saeng. - Disse antes que ele continuasse. - Vem buscar seus ingressos… - Respirei fundo e sorri. - E o seu namorado

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