É! não há dúvida! Por isto é que a perua ultimamente me anda de vento mudado!...

E um ciúme doido, um desespero feroz rebentou-lhe por dentro e cresceu logo como a sede de um ferido. Oh! precisava vingar-se dela! dela e dele! O amaldiçoado resistiu à primeira, mas não lhe escaparia da segunda!

Veja mais um martelo de parati! gritou para o portuguesinho da espelunca. E acrescentou, batendo com toda a força o seu petrópolis no chão:

E não passa de hoje mesmo!

Com o chapéu à ré, a gaforina mais assanhada que de costume, os olhos vermelhos, a boca espumando pelos cantos, todo ele respirava uma febre de vingança e de ódio.

Olha! disse ao companheiro de mesa. Disto, nem pio lá com os carapicus! Se abrires o bico dou-te cabo da pele! Já me conheces!

Tenho nada que falar! Pra quê?

Bom!

E ficaram ainda a beber.

Jerônimo, com efeito, tivera alta e tornara aquele domingo ao cortiço, pela primeira vez depois da doença. Vinha magro, pálido, desfigurado, apoiando-se a um pedaço de bambu. Crescera-lhe a barba e o cabelo, que ele não queria cortar sem ter cumprido certo juramento feito aos seus brios. A mulher fora buscá-lo ao hospital e caminhava ao seu lado, igualmente abatida com a moléstia do marido e com as causas que a determinaram. Os companheiros receberam-no compungidos, tomados de uma tristeza respeitosa; um silêncio fez-se em torno do convalescente; ninguém falava senão a meia voz; a Rita Baiana tinha os olhos arrasados dágua.

Piedade levou o seu homem para o quarto.

Queres tomar um caldinho? perguntou-lhe. Creio que ainda não estás de todo pronto...

Estou! contrapôs ele. Diz o doutor que preciso é de andar, para ir chamando força às pernas. Também estive tanto tempo preso à cama! Só de uma semana pra cá é que encostei os pés no chão!

Deu alguns passos na sua pequena sala e disse depois, tornando junto da mulher:

O que me saberia bem agora era uma xicrinha de café, mas queria-o bom como o faz a Rita... Olha! pede-lhe que o arranje.

Piedade soltou um suspiro e saiu vagarosamente, para ir pedir o obséquio à mulata. Aquela preferência pelo café da outra doía-lhe duro que nem uma infidelidade.

Lá o meu homem quer do seu café e torceu nariz ao de casa... Manda pedir-lhe que lhe faça uma xícara. Pode ser? perguntou a portuguesa à baiana.

Não custa nada! respondeu esta. Com poucas está lá!

Mas não foi preciso que o levasse, porque daí a um instante, Jerônimo, com o seu ar tranqüilo e passivo de quem ainda se não refez de todo depois de uma longa moléstia, surgiu-lhe à porta.

Não vale a pena estorvar-se em lá ir... Se me dá licença, bebo o cafezinho aqui mesmo...

Entra, seu Jerônimo.

Aqui ele sabe melhor...

Você pega já com partes! Olha, sua mulher anda de pé atrás comigo! E eu não quero histórias!...

Jerônimo sacudiu os ombros com desdém.

Coitada!... resmungou depois. Muito boa criatura, mas...

Cala a boca, diabo! Toma o café e deixa de maldizência! É mesmo vicio de Portugal: comendo e dizendo mal!

O português sorveu com delícia um gole de café.

O CortiçoWhere stories live. Discover now