Capítulo 44

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Inspira. Expira. Respira.

É o que repito diversas vezes para mim mesma enquanto me afasto de John. Ainda sinto seus dedos quentes em meu rosto e sua respiração doce próxima aos meus lábios, sensações fantasmas que não saem da minha pele.

Fantasias que você tem medo que se tornem realidade, não é mesmo?

A ideia de que eu permitiria que ele me beijasse dispara meu coração mais uma vez e retorce meu estômago. O príncipe, por alguns instantes, reavivou em mim a sede insaciável por seu amor que um dia me assolou e isso abalou todas as minhas defesas.

Embrenhando-me na mata sem cuidar meus passos, permito que todas as palavras de John se choquem em minha mente, uma enxurrada sem fim de informações aterradoras. Ele pareceu sincero em tudo o que me contou, entretanto, confiar é uma atitude perigosa demais, uma queda livre no desconhecido que não sei se estou disposta a dar novamente.

Ofegante, escoro-me em uma árvore para recuperar o fôlego e fecho os olhos para retomar meu autocontrole. As lembranças das atrocidades que Arthur fez com John se repetem por trás dos meus olhos, pontuadas pela imagem de suas costas retalhadas.

Como um pai pode ferir a um filho? Ou ameaçar sua esposa e filha de morte?

Meu ódio pelo rei de Pélagus tomou proporções infinitas depois de tudo o que ouvi. Aquele monstro realmente precisa de um castigo pior do que a perda sua vida. Não há mais nenhuma condolência em relação a ele de minha parte, nada justifica suas ações. Às vezes, precisamos compreender que algumas condutas não podem ser escusadas.

Relaxando minhas mãos em punhos, encontro os anéis que John me devolveu. Nem ao menos percebi o momento em que os resgatei, entretanto, o instinto me forçou a pegá-los, uma necessidade irreplegível de não perder esse fragmento a me conectar ao passado.

Somente ao passado?

Com a respiração controlada, guardo em segurança os dois objetos em meu bolso e, logo depois, escuto um barulho peculiar ao longe, batidas múltiplas e ritmadas semelhantes a um martelo. Avaliando ao redor, vejo que minha corrida me levou para bem próximo da vila da aldeia.

Caminhando até o limite da floresta, deparo-me com um grupo de homens construindo uma casa. A construção de madeira está bem avançada e, ao que parece, seus donos preferem ficar mais distantes do restante dos moradores porque a casa fica bem próxima da mata, reclusos em seu próprio espaço.

Ao mirar o telhado, vejo Kayke sobre as vigas grossas de sustentação colocando as últimas telhas. O sol faz sua pele desnuda das costas e braços brilhar por conta do suor e ele parece absorto no trabalho braçal e repetitivo. Mesmo a contragosto, admito que sua beleza fica ainda mais evidente com o cabelo desordenado e a barba por fazer.

Você não deveria notar esses detalhes, moça.

Os acontecimentos envolvendo a Cecília e, posteriormente, a John nos afastaram drasticamente. Vê-lo agora me lembra que ainda temos assuntos pendentes. Por mais que Kayke indique querer se manter distante, sei que precisamos solucionar nossos desentendimentos.

-Você quer um guardanapo? -Escuto uma voz conhecida questionar.

Assustando-me, Luke surge por entre os troncos marrons atrás de mim. Ele para ao meu lado e abre um sorriso debochado, o que funciona como um sinalizador de que nada de bom virá em seguida.

-O quê? -Indago, confusa.

-Perguntei se você quer um guardanapo para secar a baba que está escorrendo ao observar um certo lupino. -Ele responde descaradamente e gargalha de minha expressão de choque.

Palácios De Cinzas - Livro 2 - Trilogia Mestiços Onde as histórias ganham vida. Descobre agora