Capítulo Um

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Acordar é uma das coisas mais difíceis de serem feitas. Acreditem em mim, eu odeio isso. Principalmente quando você coloca sua música favorita como despertador e você passa a odiá-la com todas as suas forças. Esse sou eu. Mas aquele dia não seria como os outros, ele seria especial. Pelo menos para meus pais. Eles tinham esse desejo que eu entrasse numa escola renomada aqui da cidade, principalmente a Millenium, onde todos os alunos do terceiro colegial saiam matriculados em alguma faculdade famosa do Brasil — e eles realmente saiam. Era incrível. Eu estava prestes a prestar uma prova, de uma escola que eu não queria entrar. Mas morar com os pais tem dessas e você tem que obedece-los enquanto dividem o mesmo teto, e ali eu me encontrava. Dezessete anos, rumo ao terceiro colegial, morando no interior de São Paulo com meus pais. Pode parecer que não, mas eles eram as melhores pessoas que eu conhecia, afinal são eles que me criaram mas eu não queria seguir todas as suas vontades pelo resto da vida. Coloquei na minha cabeça que ia prestar a prova e caso conseguisse passar, por algum milagre ou algo do gênero, iria para a Millenium sem problema algum. Uma hipótese que eu duvidava muito que poderia acontecer. Acontece que marcava sete e quinze no meu relógio e minha prova começava as nove. Eu teria que correr.

Pulei da cama e em menos de cinco minutos já estava no banho. Era um dia chuvoso no começo de Novembro e eu tinha que me apressar, apesar de que a vontade de ficar ali era muito maior do que qualquer coisa existente. Dez minutos depois eu já estava no quarto me trocando. Coloquei meu All Star favorito, jeans e moletom. Eu amava moletons — ainda amo — e onde quer que eu fosse eu me sentiria confortado usando-os. Desci as escadas correndo, eu não iria para aquela prova antes sem tomar meus Sucrilhos. Dezessete anos na cara com manias de sete, esse sou eu. Me desculpem.

— Corre, antes que você se atrase! Ah, e bom dia! — disse minha mãe logo que entrei na cozinha. — Seu pai vai te levar, mas isso não quer dizer que ele vai ficar te esperando o tempo que você quiser, ele não é seu motorista, você sabe disso né? — minha mãe era um amor.

— Bom dia mãe. Pode deixar que daqui dez minutos estou no carro, não precisa me apressar mais do que isso. Eu hein.

Eu tinha um defeito, e ainda tenho, de usar o fone de ouvido para tudo. Enquanto minha mãe falava eu cantarolava alguma música da Beyoncé que estava tocando, e ela odiava isso. “Você pode parar e me ouvir? Sua mãe não te deu educação?” ela costumava dizer e eu me acabava de rir. Minha mãe, apesar das crises de estresse, ela era a melhor mulher desse mundo.

Engoli meu Sucrilhos e corri para o carro, onde meu pai já me esperava com algum sertanejo tocando.

— Preparado? É hoje o grande dia! Tenho fé que ano que vem você estará na Millenium e logo logo na melhor faculdade desse país, meu futuro advogado, hein!

Meu pai era a pessoa mais otimista da face da Terra, e acreditem em mim, isso é verdade. Nunca ouvi algum comentário negativo vindo dele, e nunca vi nada negativo acontecendo com ele.

— Opa! Assim seja! — disse, enquanto tirava os fones. Fechei a porta e fomos. Oito e treze, marcava no meu celular. Tinha alguns minutos para chegar, então tudo estava sob controle.

Quinze minutos depois, lá estávamos nos. Meu pai me deixou em frente ao portão principal onde havia no mínimo umas quatrocentas pessoas, com seus 14 anos até uns 18. Nunca vi tanta gente num lugar só para fazer uma prova. Provavelmente todos os adolescentes da minha cidade estavam ali porque olha. Era possível sentir a garoa fina caindo sobre nós. Eu estava com meus fones novamente, dessa vez ouvindo P!nk, minha cantora favorita de longe, U + Ur Hand para ser mais preciso, no último volume. Havia quatrocentas pessoas ali e eu não ouvia a voz de nenhuma, apenas a música e eu amava essa sensação. Passei por todas as pessoas ali presentes até chegar o mural com o número da minha sala. Sala 05 no terceiro corredor. Subi as escadas até a sala, que estava vazia, exceto por uns quatro meninos que já estavam espalhados ali dentro. A sala era minúscula, provavelmente para no máximo vinte alunos. Deve ser por isso que as vagas são tão concorridas. Me sentei na segunda carteira da terceira fila, o lugar ideal.

E quinze minutos depois a única carteira a minha frente foi ocupada por alguém de uma beleza tanto quanto superior. Impossível não notar a presença dele ali na minha frente. Ele tinha meu tamanho e cabelos castanhos escuros (os meus eram pretos, demais!) lisos, penteados para o lado e usava uma camiseta de alguma banda que eu não conhecia e jeans escuros e um All Star também. Porem todo preto e de cano alto. Não sabia o nome dele mas já queria passar naquela prova, para ter a chance de quem sabe, estudar com ele ano que vem (caso ele passasse também). Era possível sentir, dali onde eu estava o seu perfume que cheirava a madeira. Mas estava ali para me concentrar na prova. Foco.

— Você tem uma borracha para me emprestar? — ele vira e me pede. E eu quase morro paralisado. Eu não estava esperando essa super virada. Vamos com calma ai.

— É... ah... sim... é.... — travei — deixa eu pegar pra você. — revirei meu estojo e entreguei a ele minha única borracha. Não podia perder essa chance.

— Obrigado, e... boa sorte! — e virou novamente.

Cacete! Eu provavelmente estava olhando para o cabelo dele quando ele virou, o que ficou obvio quando ele pediu a borracha! Se eu tinha qualquer chance de construir uma paquera, essa chance tinha acabado de morrer e estava sendo enterrada. Obrigado destino por sempre fazer o melhor para mim. Querido.

A prova começou e eu, como não tinha estudado nada, não sabia como prosseguir. Apesar de que eu prestava atenção em todas as aulas no colégio, logo seria mais fácil tentar alguma coisa ali. Perguntas de química eu passava longe e era obrigado a chutar a grande parte. Física também. Mas as outras matérias acho que me dei bem. O rapaz da minha frente, o ex-futuro-paquera, saiu em pouco mais de uma hora de prova e eu não demorei muito e sai logo atrás. Coloquei meu fone novamente, com a música que eu tinha parado anteriormente e segui em direção as portas da saída. “Já podem vir me buscar! A prova estava tranquila” digitei para meu pai. Enviar.

Esperei meus pais em baixo da entrada do colégio, onde era coberto. Como poucas pessoas tinham acabado a prova, ali ainda estava vazio. Me encostei no portão e esperei, até alguém me chamar. Chamar não porque não ouvi. Mas me cutucar. Isso mesmo.

— Ei, como foi a prova? Eu fui embora e quase levei sua borracha. Ainda bem que te vi porque senão ia para casa com ela! — era o menino que estava na minha frente na prova, alguém me segura!

— Ah, acho que fui bem. E você? Ah, imagina, se você levasse estaria tudo bem, relaxa.

— Fui bem também. Espero que ano que vem eu entre aqui.

— Eu também. Você vai para o terceiro colegial?

— Sim, finalmente!

— Que maneiro. Eu também vou. — afirmei. Era possível sentir aquele perfume novamente e eu estava ficando encantado. Tinha alguma coisa nele que mexeu comigo logo de cara e eu ainda ia descobrir. De longe ouvi uma buzina. Olhei e era meu pai, mas eu não queria ir embora. Não agora! Mas não tive opção. — Bem, eu tenho que ir. Meus pais já estão ai. Quem sabe a gente se vê ano que vem, em?

— Ok, vai lá. É, quem sabe? — e sorriu. Moço, que sorriso maravilhoso! — E, posso saber qual seu nome rapaz que me emprestou a borracha?

— João. E o seu?

— Bernardo. Prazer.

— Prazer o meu. — e sorri de volta. Eu apertei a mão dele. Queria que aquele momento durasse um pouco mais do que alguns segundos. Agora ele não era mais um ex-futuro-paquera, ele era real, e tinha um nome. Bernardo. Mesmo não sabendo quando voltaria a vê-lo, eu tinha certeza que não poderia demorar muito. Tinha algo naquele sorriso que me despertou uma vontade de conhecer mais sobre ele, e eu não ia parar por ali. Não tão cedo.

Prazer, João.Onde as histórias ganham vida. Descobre agora