Espanha, 1601.
Juan levou à mão até a testa do garoto. Ele ardia em febre, sua pele queimava como o carvão em brasas das fornalhas do navio onde trabalhava. Com lágrimas nos olhos esticou a mão até à bacia com água, pegou o pano, torceu e o estendeu sobre a testa de seu filho. Ele estava abatido, com os olhos fechados e até delirava às vezes.
Onde está Lea? Já deveria ter voltado!
Lea, sua mulher, havia saído para falar com o padre e pedir conselhos sobre o que poderiam fazer para salvar seu filho Joaquim. A peste espanhola assolava o país, selecionando apenas alguns indivíduos de cada família. Seu filho estava brincando normalmente no dia anterior, agora não tinha forças para se levantar da cama sequer. Seus amigos não estavam doentes e Juan achava que fosse alguma punição dos céus.
Será que não rezei o suficiente?
Joaquim tossiu forte, como se quisesse expelir o próprio pulmão. Juan levantou-se e foi até a pequena cômoda de madeira onde havia uma das velas que fornecia iluminação ao ambiente. Pegou a estopa feita de trapos e voltou ao socorro do seu filho. Segurou as costas do garoto com uma mão e estendeu a estopa em direção à boca do menino. Joaquim escarrou com violência, tossindo várias vezes sem parar até manchou o tecido com sangue. Juan ficou apavorado, sem saber o que faria. Molhou o pano no balde para enxugar mais uma vez a testa do menino.
Onde está Lea!? Eu deveria ter ido no lugar dela.
– Papai, por que está chorando? – disse Joaquim com toda a inocência dos seus sete anos.
– Ah... Nada filho... Só estou... Preocupado.
– Eu vou morrer, Papai?
– O quê?! – Joaquim era honesto como qualquer criança e isso havia pegado Juan de surpresa.
– Você acha que eu vou morrer, Papai? – Joaquim repetiu a pergunta. – Felipe falou comigo pela janela porque os pais deles não o deixaram vir até aqui. Disseram que estou amaldiçoado e que ninguém sobrevive a isso.
Juan tentou conter as lágrimas para passar o máximo possível de tranquilidade ao filho, mesmo a verdade fosse inegável.
– Não filho... Você não está amaldiçoado! Nem o Felipe, nem os pais dele sabem de tudo, não é verdade?
– Então por que a mamãe foi procurar o padre?
Mesmo diante de toda a sua angústia Juan permitiu escapar um sorriso em homenagem à sagacidade do filho. Novamente ele chorou, mas não com dor e sim com ternura.
– Você não vai morrer, meu filho. Você é esperto e ainda vai se casar com uma boa mulher que lhe vai lhe dar muitos filhos.
Na rua um pássaro passou em direção à floresta que ficava do lado da cidade, emitindo um pio. Uma carroça passou vagarosamente com suas rodas de madeira roçando os ladrilhos da rua.
– Mas eu não quero me casar, as meninas são estranhas... – defendeu-se o menino da sugestão do pai.
– Eu concordo... – disse Juan. – O que você quer então?
– Eu posso ter um barco, Papai?
– Pode, Joaquim. Claro que pode – respondeu Juan com complacência. – O maior de todos eles.
– Você não vai precisar trabalhar no meu barco.
– Ufa! – Juan fingiu alívio. – Estava contando com isso.
– E eu posso ser um pirata?
– Pode sim, Joaquim.
– Eu serei o terror dos sete mares!
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As Crônicas do Apocalipse - Livro 2 - A Máscara da Peste
Science Fiction"O amanhecer veio acompanhado de um névoa densa que cobria a cidade. Ele não conseguia enxergar três passos a frente. De dentro do paredão esbranquiçado, gritos desesperados e grunhidos ofegantes eram ouvidos. Cada vez mais alto, cada vez mais perto...