Capítulo 1

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Depois de uma longa noite tendo o mesmo sonho com seu pai, Gabriele Kommers finalmente se levanta da cama e vai se arrumar para ir à escola. O dia estava nublado. Como de costume, ela sempre observava e beijava uma antiga foto, de quando ainda era criancinha, que tinha tirado com seu pai, poucas horas antes de ele perder a luta pela vida para um câncer de estômago que havia se espalhado pelo seu corpo. Ela ainda o amava.

Tinha uma excelente condição financeira e uma mãe médica presente. Ela podia ter tudo o que quisesse de necessidades materiais a necessidades de amor.

Desde a morte do seu pai, ela pegava o seu ukulele e levava música e uma conversa para os pacientes com câncer. Isso tornava a sua vida mais leve, mas o dia anterior tinha sido o mais feliz de todos os que foi voluntária. A paciente com quem mais gostava de conversar tinha recebido alta, tinha vencido o câncer. Isso trouxe um misto de tristeza, alegria e saudade.

Desceu as escadas que levavam à imponente sala de estar da mansão e seguiu para a cozinha, onde estava a carinhosa governanta da casa, a Lourdes, uma mulher gorda com bochechas rosadas e um cabelo preto e cheio de frizz quase sempre amarrado em um coque. Comeu seu café da manhã de sempre e correu para o carro.

O motorista Carlos a levou à escola e foi conversando com Gabrielle. Ele tinha assumido um lugar de pai na sua vida. Seu companheiro. Seu confidente.

— Chegamos, senhorita.

— Obrigada, Carlos. — Disse em meio a um grande e sincero sorriso.

Deu um beijinho na bochecha do seu motorista e entrou na escola.

Foi ao banheiro para verificar sua aparência no espelho. Cabelos longos, castanhos e ondulados, olhos escuros, pele clara e pouco mais de 1,55 de altura. Estava vestida em um uniforme perfeitamente passado por Lourdes. Caminhou alguns poucos passos e chegou a sua sala de aula.

As carteiras azuis-marinhas organizadas em fileiras onde os alunos sentavam estavam quase todas ocupadas, contudo o professor de História que daria a 1ª aula ainda não havia chegado. Mal sentou-se em seu lugar, quando o professor Genildo chega acompanhado de um garoto vestido de uniforme.

O menino devia ser uns 30 centímetros mais alto que Gabrielle, olhos castanhos escuríssimos, cabelos pretos e pele morena, era magro e usava roupas levemente amassadas. Não era dotado de uma beleza capaz de fazer nenhuma garota se apaixonar a primeira vista e no seu rosto existia um esboço de um sorriso. Já Genildo tinha por volta de 1,70, tinha cabelos negros e brancos misturados em seu couro cabeludo, era acima do peso e vinha dar aula sempre de sandálias de couro.

— Então, meus amores, — Que era como o professor chamava os seus alunos — Esse aqui é o Guilherme. Ele perdeu a primeira metade do ano escolar e está tendo que repor tudo, então o ajudem e sejam legais.

Envergonhado, o novo aluno se sentou. Enquanto todos os olhos focavam nele, os seus olhos focavam apenas em Gabrielle, com o rosto cheio de admiração. Para a felicidade dele, ela não reparou, ao contrário do resto da classe.

— O aluno novo gostou de você. — Comentou rindo uma garota que sentava ao lado da menina — Ele é gatinho, até. Eu shippo.

— Eu tenho namorado. — Respondeu em tom de deboche.

— O Jonas? Ele ainda é seu namorado?

— Sim? Nunca terminamos. De onde você tirou isso?

— A Marjorie tá namorando com ele agora. Colega de faculdade dele. Você não viu o Instagram?

Gabrielle tinha sido bloqueada. Jonas disse a ela que estaria viajando e iria para a casa dos seus avós, onde não tem sinal. Achou que ia chorar, mas o único sentimento que conseguiu ter foi a raiva. Saiu da sala imediatamente, inventou uma doença e Carlos veio buscá-la, e como já a conhecia perfeitamente, sabia muito bem que ela estava perfeitamente saudável.

O velho motorista a viu chorando e simplesmente a abraçou com força.

— TOCA PRA A FACULDADE.

— Você precisa se acalmar primeiro. — Ele entendeu tudo que tinha acontecido, mesmo sem ninguém ter contado.

— EU PRECISO DESTRUIR AQUELE FILHO DA MÃE.

Por milagre, ele a convenceu a ir pra casa e tomar um banho. Sugeriu irem para o hospital. Relutantemente, pegou o seu ukulele e foram.

A mulher que ela visitou estava definhando. Parecia um esqueleto vivo e quase não tinha forças para conversar. Gabrielle descobriu que ela gostava de Roberto Carlos e tocou algumas músicas dele pra ela, o que a animou bastante. A paciente, tinha a pele morena, não era possível saber qual era a cor dos cabelos em sua cabeça, pois já não existiam mais, os olhos tristemente fundos e verdes. Ela parecia, mesmo sem forças, muito alegre. Ela gostava bastante de falar, mas como estava debilitada, tinha que fazer grandes pausas.

— O que você estuda, flor?

— Estou na escola, ainda. Faço o terceiro ano.

— Tenho um filho que faz o terceiro ano também. Ele começou hoje. O nome dele é Guilherme. Ele te admira demais.

Gabrielle não sabia se era aquilo que ela mais queria ouvir ou a última coisa que ela queria ouvir naquele momento, permanecendo estática.

— Ele é meu colega de classe, mas não falei com ele.

— Meu Gui é um menino incrível. — A mulher pareceu não ter ouvido o que a estudante falou. — Ele perdeu o primeiro semestre desse ano inteiro me acompanhando no hospital. Ele sempre ficava te observando entrar nos leitos e sair radiante.

Gabrielle deu um grande sorriso.

— Ele parece ser um rapaz muito bom.

— Por que você faz isso, hein? É tão bonito, mas nenhum outro jovem que conheço faria. — Disse a moça, como se não estivesse ouvindo o que a menina havia falado e mudando rapidamente de assunto.

— Ah. É complicado. — O sorriso se desfez na mesma rapidez em que se formou. — Há uns anos, meu pai morreu com câncer. Quando ele estava internado aqui, trazia meu ukulele e tocava pra ele, o que nos deixava completamente felizes. Quando ele se foi... — Teve que dar uma pausa para respirar e conter as lágrimas. — Eu queria espalhar essa alegria pra os outros pacientes, que não tinham alguém para conversar e entretê-los.

As duas tiveram que conter as lágrimas e se abraçaram. Se despediram, com a promessa de a musicista voltar mais vezes. E finalmente, ela se sentiu completamente feliz como quando tocava para o seu pai.


Ainda foi durante uma semana todos os dias conversar com ela. Mas, não surpreendentemente, outro dia isso não aconteceu e ela encontrou Guilherme sentado chorando no chão do corredor do hospital.

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⏰ Last updated: Oct 06, 2019 ⏰

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