2 - Mindless

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O mundo tem sete bilhões e meio de pessoas. "Caralho, é gente pra porra." Você me diz. "Daqui uns dias comida vai acabar, o aquecimento global, o peido da vaca vai fritar o planeta, ou o Trump vai matar todo mundo!" Tá, isso eu não nego que pode acontecer, agora, chega aqui comigo e deixa eu te contar uma coisa. Desses bilhões, sabe quantos são burros, otários, palermas, estúpidos, cabeça de água? Noventa e nove virgula nove por cento. São facinhos de tapear. Ai que delicia, só de pensar me dá um tesão do cacete. Cadê meu vibrador? Deixa eu procurar, eu sei que tava aqui embaixo de alguma pilha dessas de roupa suja. PUTA QUE PARIU ONDE TÁ?!

O computador de Vera soou uma notificação indicando que alguém havia clicado em seu anúncio que prometia: "Fique milionário agora mesmo, em casa" mais embaixo um rapaz de terno jogava papeis para o alto: "diga adeus ao seu patrão" concluía. A mulher nua desviou do lixo para alcançar a mesa do computador de onde a notificação havia saído, puxou a cadeira da escrivaninha e sorriu mostrando os dentes amarelos.

Aqui o trabalho não para, dia e noite sempre tem um pra passar a perna. Vou te mostrar como faz, não é difícil. Tá vendo aquele quadro na parede? Eu chamo de Otariômetro, todo mundo tem um lugarzinho reservado ali, velho, novo, preto, branco, rico, pobre, qualquer um. Eu só preciso de algumas poucas informações, nada demais, nome, data de nascimento, profissão e uma olhadinha nas redes sociais, daí já sei que tipo de otário você é e como eu vou te dar o calote. Porque eu vou, é matemática, as chances estão escritas ali olha. Não tem pra onde correr.

Enquanto mastigava um cachorro quente que havia comprado no dia anterior, teclava frenética com uma mão conversando com sua próxima vítima e com a outra no mouse vasculhava a internet por informações para usar. Vera era rápida e habilidosa como poucos. Psicologia, programação, contabilidade e tudo mais que precisasse saber para usar em seus golpes conhecia a fundo.

Pronto. Esse foi pro saco e não levou nem cinco minutos. Filhinho de papai, quer sair de casa mas é preguiçoso e se acha esperto demais pra trabalhar CLT como todo mundo. Agora pegou uma grana dos velhos e vai ficar rico investindo em cota para anúncios do google. Essa porra nem existe! Um jumento desse merece ou não merece tomar no rabo?

Outra notificação, agora com o som de um trecho de saxofone de "forever in love" de Kenny G tocou vinda de um celular fixado na parede por um suporte do outro lado do quarto. Vera se levantou apressada, atravessou o quarto correndo, pegou o celular e olhou a mensagem do aplicativo de namoro Tinder. Viu o rosto do rapaz de olhos pequenos alá Richard Gere, sorriso marcado de covinhas e cabelos castanhos escuro ondulados, ao lado de: "Wagner te enviou uma mensagem" se destacando na tela "Oi linda" dizia.

Antes que você diga qualquer merda eu só corri porque é o jeito que arranjei de fazer exercícios já que nunca saio do apartamento. Assim não perco nenhum esquema. Cada celular desses que estão na parede é pra um tipo diferente de golpe. Esse é o clássico do aplicativo de relacionamento. Você não tem ideia do ouro que é isso aqui, o quanto uma pessoa não paga pra um print sumir do mapa. Funciona assim: quanto mais rico e bonito o homem, mais egoísta ele é, então quanto mais burra e vulnerável a mulher, melhor pra seu ego. É só encher o palerma de "É que eu não estou acostumada a falar com gente na internet" ou "Sou muito tímida" que o doente entrega tudo. Tá certo que ela tem que ser gostosa também, daquelas exageradas, pra ele mostrar foto pra machaida. Só que isso a gente dá um jeito, o que não falta é foto de atrizes pornôs por aí pra a gente usar.

"Tá por aí?" outra mensagem do rapaz pipocou na tela pegando Vera de surpresa e fazendo-a quase deixar o celular cair no chão "Claro boyzinho, pra você to sempre aqui, risos" respondeu. "Então, um amigo disse que perto do hospital onde ele trabalha abriu um pub bem da hora..." "Eu queria te levar pra conhecer lá, topa? " A mulher olhou para a mensagem, pensou por alguns segundos o que deveria fazer e pela primeira vez em muito tempo hesitou. Era a décima vez que ele a chamava para sair e ela sempre mudava a conversa tentava induzi-lo a falar ou mandar algo comprometedor mas não conseguia. "Eu sei que parece coisa de louco, mas eu senti algo diferente conversando com você essas duas semanas..." Wagner disse. Vera sabia que se desse mais uma desculpa as chances de ele desistir de falar com ela eram grandes, então respondeu: "Tudo bem, eu vou"

Me explica o que eu fiz?! Isso não segue nenhum protocolo, agora estou totalmente no escuro. Ai meu coração, vou ter um infarto. E você aí não ria da desgraça alheia! Só pode ser falta de sono, não tem outra explicação. Vou ter que ativar a situação nove de emergência: resetar. Cadê meus comprimidos pra dormir? Ah estão aqui. Agora só tenho que desligar tudo...

Antes que pudesse continuar Vera caiu na cama sob efeito dos narcolépticos ou por não dormir há muito tempo mesmo. Sonhou com dinheiro perdido voador, corria atrás deles em uma esteira rolante feita de notificações até não conseguiu mais acompanhar a velocidade e caiu de muito alto em uma cama de parreiras onde Wagner deitado a esperava cercado por uvas roxas. Quando acordou, mais de um dia depois, achou que tinha encontrado uma solução.

Como eu fui burra, esse encontro é minha chance de saber o que fazer quando acontece uma coisa que não previa, e melhor, de ver a cara de decepção de alguém ao vivo. Pra mim nada é mais divertido do que quando o povo descobre que foi enganado e começa a me xingar. Me acabo de rir. Tá, agora com licença que eu tenho um date meu bem.

Por celular combinaram de se encontrar naquela noite. Vera saiu de casa, o que não fazia há muito tempo, e foi as compras na loja mais movimentada que conseguiu encontrar. Passou horas experimentando roupas. Achou a que queria e pediu para a vendedora pegar um tamanho diferente do que tinha escolhido. Quando a mulher foi no estoque ver se tinha, a golpista saiu sem pagar.  Vera não era de todo feia, com uma peruca e bastante maquiagem conseguiu de longe até se assemelhar com a atriz de quem mandava as fotos.

Tá na hora do show. Eu tô gata, pronta para ensinar esse cara que ninguém escapa ileso de Vera Gonçalves, a maior golpista do mundo. Me acompanhem.

No bar Vera já chegou cumprimentando o rapaz para pegá-lo desprevenido. No começo ele ficou sem graça porque claramente não era a pessoa com quem estava conversando há três semanas, mas disfarçou e levou a diante o encontro, talvez por educação. O encontro terminou por ser agradável. Wagner era tão gentil, se mostrava interessado no que ela falava tanto que por algum tempo ela chegou a esquecer ser uma golpista. Naquela hora foi uma pessoa como qualquer outra ali. Só na hora de despedirem-se, quando ele a deixou na porta de casa e Vera acariciou o rosto do rapaz que não conseguiu disfarçar a expressão de desprezo, ela voltou a si. Debochou da reação dele com um sorriso arrogante, desceu do carro e Wagner partiu acelerando o carro.

Ficou bravinho, vocês viram? Esse era um otário do pior tipo, não tinha colhões nem pra dispensar quem esfrega na cara dele que é burro. Tá vendo que maravilha é esse mundo, um paraíso mesmo, cheio de gente pra ser enganada andando pra lá e pra cá. Um lugar onde pessoas como eu podem viver despreocupadas.  

Contober 2019Where stories live. Discover now