Capítulo VI - Aguardando Visitas

7 2 0
                                    

— EVAAAAAAAAA!!!

Assim, com um grito, como alguém que acorda de um pesadelo terrível, Emílio despertou. Tinha, à sua volta, Lionel, que lhe fazia uma compressa de água fria, e Adão, que não tirava os olhos de Lionel.

— Nunca vi um vampiro ter febre. — Emílio tentava se recompor. Olhava, assustado, para Lionel, que seguiu falando com uma calma ironia, quase insuportável. — Aliás, meu caro, a sua temperatura corporal teria sido uma sentença de morte para qualquer um. Nunca ouvi falar em nada parecido.

Adão pareceu assentir, observando tudo quase curiosamente, mas sempre inexpressivo. Lionel continuou.

— Hummm... a julgar pela camisa rasgada, e pela sua temperatura, parece que as coisas foram bem quentes, por aqui... Ah! Perguntou pela sua nova "madrinha"? Ela já partiu, antes que qualquer um pudesse esperar. Ninguém a vê, desde ontem. Ou será que ela apareceu para alguém?

Por trás da pergunta, escondia-se um certo escárnio, fosse por pura ironia, fosse por sentir inveja de algo, ainda que lhe parecesse improvável que ela houvesse aparecido. Vendo Emílio calado, desconcertado, Lionel arriscou, ainda, uma nova pergunta.

— O que você queria com ela?

— Nada, não!

— Você mente muito mal, rapaz. Pode me dizer!

Emílio sentiu uma vontade irresistível de revelar tudo. Aquele olhar de Lionel, ou talvez o seu toque paternal, ou qualquer coisa nele fazia com que Emílio se sentisse completamente entregue ao controle de seu novo amigo. Devia ser a influência de que alguém havia falado. Não conseguiria mentir, de forma alguma. Mas, algo lhe surpreendeu: ao pensar em Eva, conseguiu calar-se.

Lionel olhou com mais intensidade, já intrigado. Seu olhar e seu toque deveriam exercer um poder quase hipnótico sobre Emílio. Por que não acontecia nada? Algo estava fora do normal, certamente haveria qualquer coisa fora da ordem. Com o olhar, Lionel parecia entrar nos olhos de Emílio, como a perscrutar qualquer pensamento. Mas, nada lhe ocorria. Não conseguia ler seus pensamentos, nem ouvi-los.

— O que está fazendo?

— Procurando o que há de errado.

— Como assim? Algo deveria estar errado?

— Esqueça!

A resposta foi fria, quase ressentida. Lionel sabia que deveria ter poder quase ilimitado sobre a mente de Emílio. É o que acontece quando se transforma alguém. Lionel não apenas se recusava a aceitar aquilo, como jamais poderia revelá-lo. Era algo sem precedentes perder o poder de influenciar seu pupilo com menos de um ano — o que dizer de menos de uma semana? —.  Esta capacidade costumava perdurar por muito tempo, mesmo depois que a vida do recém transformado alcance a independência. E apenas muito lentamente se diluía.

Este pensamento provocou-lhe um profundo arrepio na espinha, como não sentia havia décadas. Se o jovem rapaz alcançasse a independência, logo ele mesmo perderia qualquer proteção. Mais do que isso, ele teria criado um monstro. Ninguém alcançava tamanha independência em tão pouco tempo! De que seria capaz? Não era algo aceitável, provavelmente seriam ambos mortos o quanto antes.

Emílio interrompeu seu raciocínio.

— Quando você vive, a morte não existe. Quando a morte existe, você não.

— O que?

— Demócrito dizia isso, não é? Ele acreditava que nossa alma se dispersa em átomos para formar outras almas. Acontece com o nosso corpo, disso já sabemos. Bem, a nossa alma não se dispersa, mas, agora isso já não interessa, porque não a tenho mais.

Um Vampiro [conto inicial]Where stories live. Discover now