Capítulo 1

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Passeio por uma última vez nos cômodos da casa onde morei desde o meu nascimento. Muitas coisas vivi aqui, tenho lembranças maravilhosas, porém não há como esquecer-me os dissabores pelos quais passei. Entro em meu antigo quarto, agora vazio, caminho até a janela e olho o quintal. A imagem de Igor brincando de bola e me chamando para brincar com ele se faz nítida em minha mente.

Se passaram dez anos desde a morte do meu irmão gêmeo, mesmo com o tempo a saudade ainda dói em meu peito, sinto um grande vazio em minha alma. Quando Igor morreu, levou com ele uma parte minha. Não pude demonstrar minha dor, precisei me mostrar forte por meus pais, afinal eles perderam um filho. Um garoto esperto e inteligente, com um futuro brilhante pela frente.

A vida foi um tanto cruel para mim, no decorrer de três anos vi diante de meus olhos meu pai perdendo a vontade de viver, ele nem mesmo tentou entender, para ele a morte do meu irmão foi sua culpa e ele não se perdoava por isso. Assim também perdi meu pai para a morte, também senti tristeza, mas não sofri, era como se meu coração estivesse baqueado.

Tive a falsa sensação de que tudo iria melhorar a partir disso, pois conviver com meu pai estava se tornando um verdadeiro inferno, tanto eu como minha mãe sofríamos junto com ele, tentamos muitas vezes ajudá-lo, mas tudo foi em vão. De alguma forma me senti aliviada, afinal meu pai finalmente poderia encontrar a paz. Muitas vezes me sentia culpada com esses pensamentos, pois que ser humano se sente aliviado com a morte do próprio pai, me peguei muitas vezes acordando no meio da madrugada e pedindo perdão por meus pensamentos egoístas.

O sentimento de que tudo ficaria bem não durou nem mesmo uma semana, pois descobrimos que minha mãe tinha um câncer em estágio avançado, o médico foi bastante sincero ao afirmar o tempo de vida da minha mãe, no máximo um ano. Entretanto, ao contrário de meu pai, mamãe lutou muito, não permitiu de forma alguma se abater, foi uma mulher de fibra. Contrariando as expectativas viveu por mais seis anos. Apenas em seus últimos dias de vida demonstrou fraqueza e mesmo assim me passou muita força.

Agora a casa está vazia, perdi minha família no decorrer de dez anos. Eu tenho amigos maravilhosos, e se não fosse por eles estaria perdida. Porém, mesmo assim, não sou capaz de tirar essa angustia de meu peito.

Fecho os meus olhos e suspiro alto, encosto a testa na parede e penso na minha vida. Os últimos anos me dediquei a estudar, foi um pedido da minha mãe, e também a cuidar dela. Nunca me permiti alguma diversão, namoro então nem pensar. Na verdade tenho medo de relacionamentos, tenho medo de me apegar e perder. Minhas amigas dizem que um dia isso passa, pois é normal se sentir assim, espero que elas estejam certas.

Ouço passos e me afasto da parede olhando para a porta. Karen, uma das minhas amigas para no batente e me encara insegura. Ela sorri com suavidade.

— Você está bem? — indaga com voz mansa.

Observo o cômodo vazio a minha volta e a fito.

— Sim, estou bem na medida do possível — confesso.

Ela se aproxima e aperta meu ombro carinhosamente.

— Só posso imaginar o quanto é difícil para você — comenta com um sorriso. — Porém, minha amiga, você é forte e penso que alguma coisa muito boa te aguarda — completa olhando-me dentro dos meus olhos.

Eu sorrio de volta e baixo o olhar.

— Assim espero — sussurro, solto o ar de meus pulmões e volto a encará-la. — Agora vai começar uma nova etapa em minha vida, é hora de seguir em frente.

— Exato. Uma vida totalmente diferente — afirma e estreita olhar. — Não está com medo de uma mudança tão radical? — pergunta com preocupação. — Afinal, é tudo tão novo.

Suspiro forte e sorrio. Penso por alguns instantes sobre minha decisão. Karen está certa. Tomei uma decisão radical. Estou partindo para outro Estado, onde não conheço ninguém, porém sinto como se uma força invisível me puxasse, eu preciso mudar e fazer alguma coisa por mim mesma.

Olho para minha amiga, ela parece me analisar.

— Se eu disser não estar sentindo medo, estarei mentindo. Claro que tenho medo, mas ao mesmo tempo sinto-me excitada com a perspectiva de um novo trabalho e de conhecer novas pessoas — confesso gesticulando com as mãos. — Todavia sinto-me viva — completo a olhando. — Não sei explicar a razão desse meu sentimento, mas há muito tempo não me sentia assim, para falar a verdade desde que Igor era vivo.

Minha amiga acena com a cabeça e permanece pensativa antes de expressar qualquer palavra. Ela caminha pelo quarto e observa as paredes, então se vira par me olhar.

— Eu te entendo, Mel. E esse afastamento será bom para você, embora sentiremos muito sua falta — diz desanimada.

Aproximo-me dela e pego suas mãos para então encará-la.

— Amiga, estarei apenas em outro Estado, algumas horas de avião e estaremos as quatro juntas para matarmos a saudade e fofocarmos muito.

Karen solta uma risada com minhas palavras.

— Você está certa e ainda poderemos fazer uma chamada de vídeo vez ou outra.

— Daremos nosso jeito, você verá — declaro e saio de perto dela. — Agora devemos ir, devo entregar as chaves para minha prima providenciar a venda da casa — digo com voz entristecida.

Provavelmente é minha última vez nesta casa, até meus treze anos de idade fui muito feliz aqui e carrego boas lembranças de minha infância, porém depois disso não posso dizer o mesmo. Meu tempo acabou e não sei se serei capaz de um dia retornar a este lugar, por isso a decisão de vender esta casa. Só espero não me arrepender disso, afinal jamais posso esquecer-me do quanto Igor amava este lar.

Meu Indomável DevassoWhere stories live. Discover now