XXIV - Trovões intensos e ventanias

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"Luzes se apagam, no momento estamos perdidos e achados. Eu apenas quero estar ao seu lado, se essas asas pudessem voar para o resto de nossas vidas" — Wings, BIRDY


O mundo estava desabando naquela tarde, e, para variar, não somente o de John Rutherford.

Do lado de fora da gélida capela qual frequentara desde a infância, a chuva descambava impiedosamente, acompanhada de trovões intensos e ventanias. A televisão anunciava a pior tempestade que a Geórgia havia visto naquele ano, mas isso já não assustava mais o jovem rapaz.

Não depois de todas as tempestades que houvera precisado atravessar ao longo da vida.

Estava em pé ao lado do altar, e, daquela posição, podia ver todos que chegavam, com seus olhares carregados de pesar. Dali recebia os cumprimentos de todas as pessoas que só tinham a dizer o que ele já cansara de escutar: "Frederick era um homem justo" e "foi cedo, mas agora descansa na paz do senhor".

Quem não tinha paz era ele, que ficara.

A morte raramente é dolorida pra quem vai, ela dói pra quem fica. E John, a essa altura, já nem sabia mais se valia a pena ficar.

Dali viu estacionar a Mercedes de vidros tão pretos quanto à pintura da carcaça, de onde desceu a garota de cabelos dourados, acompanhada de ambos os pais.

Nem mesmo Alison Grace, com toda a sua graça, conseguiria iluminar um dia tão tempestuoso quanto àquele. Então, escondeu-se sob a aba do amplo guarda-chuva preto, e caminhou até a porta de madeira pesada da entrada, sentindo o vento gelado do outono se chocar contra a pele exposta das suas pernas longas.

Debaixo de um teto firme, ela fechou o acessório e o deixou descansando num cesto ao lado da porta.

Ela não sustentou o olhar no de John por muito tempo. Não conseguia. Então apenas encarou os próprios saltos pretos, enquanto caminhava pelo corredor entre os bancos de madeira, seguindo na direção dele.

Dona Judith estava bem ao lado do neto, segurando-lhe a mão, e dando-lhe apoio. Ela houvera ajudado John em toda a organização do funeral, e as flores amarelas eram certamente o que seu pai teria querido.

Sem saber bem o que falar, ou como agir, Alison cumprimentou primeiro a avó. Então, Bennet, que seguia logo atrás, acompanhado da esposa, disse algumas palavras de consolo para John.

Ele agradeceu mecanimente, e deixou que ambos se afastassem em seguida, exatamente como houvera feito com todas as outras pessoas em luto que adentram pela mesma porta. Exceto uma.

— Como você está? — ela perguntou.

Nem precisava. Alison sabia a resposta. Estava visível, escancarado, estampado bem no centro daquele intenso par de olhos azuis-oceano: John Rutherford estava destruído, arruinado, perdido, acabado.

Ela odiava vê-lo naquele estado.

— Indo — foi sua resposta.

Curta. Seca. Direta.

Tinha sido assim desde que as coisas desmoronaram.

Frederick teve um mal súbito durante o almoço, uma queda de pressão, foi internado às pressas no hospital mais próximo. O corpo havia começado a rejeitar o coração transplantado. Aumentaram a dose de imunossupressores. E, com a imunidade sabotada, ele contraiu uma pneumonia hospitalar.

Foram 32 dias de tempestades e furacões. Comparado a isso, a chuva descambando do lado de fora não significava nada.

John já tinha visto coisa muito pior. Vivido coisa pior.

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