Entramos no quarto e ele segue o ritual de sempre, vai até o canto enquanto eu sento na cama e seguro o choro. Ele vem até mim e começa a prender meu cabelo, meu corpo todo está tremendo mas não tenho para onde correr. 

Quando ele termina levanta meu rosto, posso sentir o gosto do pavor em minha boca seca.

- Eu consegui. - ele começa a falar e eu fecho os olhos - finalmente eu consegui … e foi tão bom quanto eu imaginava, mas tenho que pegar leve com ela … - sinto vontade de vomitar e respiro fundo, seu cheiro me dá nojo tanto quando suas palavras - … já você … ah você aguenta tudo. 

…. 

Olho para o teto manchado e sopro o ar, minha respiração sobe como uma nuvem de fumaça. Passo a língua pelo interior machucado das minhas bochechas e lábios, minha boca toda tem gosto de ferrugem, sinto alguns pontos ainda sangrando quando passo a língua. Meus lábios estão doloridos e ressecados, meus olhos estão ardendo por causa do sal das minhas lágrimas. Mas parei de chorar a algum tempo, porque já chorei tudo que tinha dentro de mim. Meu coração está doendo tanto quanto todo meu corpo. 

Sempre tento não chorar quando eles me pegam, e quase sempre sou bem sucedida, mas hoje, quando aquele cara asqueroso começou a falar o que tinha feito com a própria filha, e fazer comigo o que dizia querer fazer com ela, não aguentei, eu chorei por mim, por toda merda que a minha vida é, pela vida que não tive e não terei nunca mais, chorei porque cheguei a conclusão de que não tenho como sair daqui, de que vou morrer nesse lugar e ninguém vai sequer lembrar o dia, porque para quem importa estou morta a quase 10 anos. Chorei também por ela, aquela pobre menina que teve tantas coisas arrancadas pelo seu pai, chorei pelo que ela também tem que passar e por não poder fazer nada para ajudá-la. E, então, ele né bateu onde pode, me bateu e sufocou até que eu perdi os sentidos. Quando acordei estava sozinha sobre minha cama manchada com o meu próprio sangue. 

Ninguém subiu para saber se eu estava, viva ou morta. Eu apenas me arrastei até o banheiro e lavei meu corpo ferido com a água fria e voltei para a cama.

Chorei mais um pouco de dor, desespero e humilhação. Mas acabou. 

Felizmente ainda tenho alguns comprimidos escondidos e tomei um. Agora não sinto mais nada. 

De repente a porta abre com um estrondo e bate contra a parede, não me assusto, apenas olho para a figura escura parada no alpendre. 

- Amanhã você vai dar uma volta comigo. - é o "chefe" - acorde cedo e se vista como uma pessoa decente e não uma puta barata. 

- Não tenho roupa. - respondo. 

- Vocês estão sempre choramingando. - ele reclama e sai. 

Alguns minutos depois ele volta e joga uma sacola sobre minha cama e sai. Sento e puxo a sacola, tiro de dentro uma blusa preta de manga longa e gola alta, uma calça jeans preta e um par de meias. 

Não sei para onde vou amanhã, mas acho que não ganharia roupas para ser enfiada em um barril. 

…..

Passei a noite toda acordada, ansiosa demais para pegar no sono. É a primeira vez que vou sair desse lugar em quase 10 anos, e a primeira vez que vou ter uma chance de fugir ou pedir ajuda. E talvez a única. 

Estou abatida mas não com os olhos roxos, felizmente, e a marca escura em meu pescoço é coberta pela gola alta da blusa. Pego o bilhete de dentro da gaveta e o preto dentro da minha manga com um alfinete. Tomara que dê certo, porque meu plano todo consiste em conseguir entrega-lo a alguém e conseguir ajuda. Já fiz isso centenas de vezes, mas nunca tive a oportunidade de sair daqui e pedir ajuda, e as pessoas que vem aqui … digamos que não estão interessadas em ajudar ninguém. Ele é simples diz apenas meu nome, que fui sequestrada, de onde sou, que a casa onde estou fica perto de Torres de energias e que preciso de ajuda. 

Stolen Life (Repost)Where stories live. Discover now