Vozes

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     " O que as vozes da sua cabeça estão dizendo hoje?"

   10 de setembro, data do meu nascimento.

    É a primeira vez que passo meu aniversário sem estar em uma festa monumental, vários convidados, muita champanhe e comida à vontade.

     E isso por causa das Vozes.

     Desde muito jovem elas me acompanham e me guiam. E não tenho do que me queixar.

     Quando quis entrar para a faculdade de Administração, elas me disseram o que eu deveria fazer para conseguir. Baixar a cabeça e estudar.   
     Ótimo! Ingressei e me formei.

     Viajei pelo mundo, fiz muitas amizades, curti muitas festas. Enfim! Tudo o que alguém queria e podia realizar.

     Já com um melhor emprego, quis constituir família. Elas me ajudaram na escolha do meu par.

Namoro, noivado, troca de alianças e promessa de compromisso para toda a vida.

     Queria uma colocação melhor na empresa de seguros em que trabalhava.

     Elas, as Vozes, orientaram a me pós graduar. Fiz MBA, mestrado e doutorado. Tudo deu certo. De agente auxiliar passei a gerente-administrativo.

     As Vozes e eu muitas vezes trocamos ideias. Geralmente eu as obedeço. As vezes me oponho. Seus conselhos nem sempre são agradáveis. Elas podem ser bastante más, as vezes. Exceto que quando tento as coisas do meu jeito, nunca saem certo.

     Minha família aumentou. Precisei alcançar um maior status econômico. Varias obrigações com a chegada de um bebê prematuro. A empresa não oferecia um plano de saúde.

     Despesas com UTI neonatal, medicações, honorários médicos, leite em pó com fórmula especial, transporte e acomodações perto do hospital especializado que ficava distante de nossa casa.
     As Vozes organizaram tudo em minha cabeça, mas isso não saldou a dívida que restou inadimplida.

     A empresa negou meu pedido de aumento.

     O limite do cartão de crédito estava excedido em muito.

     Nesse ponto, as Vozes calaram.

     Fiquei à minha própria sorte. A ajuda que eu tinha recebido e me levado ao êxito, agora se negava a estender a mão.

     Por conta disso, minha produtividade caiu, meu casamento começou a ruir e minha família ameaçava me abandonar.
     Além do mais, minhas dívidas se amontoavam e eu não conseguia mais saldar.

     Estava em estado de total desespero. 
     Desabafava com os colegas do trabalho e  muitos já se esquivavam ao me verem. Uma ou outra vez tentei que a empresa me desse um adiantamento de salário.

     Discuti e tentei mostrar que eu havia dado sangue para que os lucros aumentassem a cada mês e satisfizessem os sócios. Talvez tenha me excedido na explanação.

     A chefia pediu que eu me afastasse por uns dias a fim de por a vida nos eixos. Eu obedeci.

     Quando retornei, havia um bilhete em meu escaninho para que eu passasse no setor de Recurso Humanos.

     Lá, informaram que meus serviços não eram mais necessários. Tchau, benção e passar bem.

     Minha cabeça explodiu em uma babel ensurdecedora.

     As Vozes.

     Elas voltaram!

     Elas voltaram e me disseram que aquilo não podia ficar por isso mesmo.

     Martelavam e me torturavam exigindo que eu fizesse justiça.

     Subi até o andar eu em que eu trabalhava, me dirigi a sala da chefia e pedi para ter uma palavra em reservado. Fechei a porta e me dirigi ao gerente-geral, em silêncio.

     Coloquei as mãos em volta do seu pescoço e apertei.

     Apertei...

     Apertei...

     A princípio ele se debateu e me socou diversas vezes. Eu nada senti.

     Naquele momento, meu corpo era apenas o instrumento do qual as Vozes enfurecidas se valiam para por fim àquele sofrimento.

     Não sei por quanto tempo durou aquele ato.

     O corpo caiu. O rosto arroxeado. A marca das minhas garras ao redor do seu pescoço.

     Lembro de ouvir a porta abrindo e o grito da secretaria atrás de mim.

     Mas também o coro uníssono das Vozes festejando o fim da batalha e a nossa vitória.

     Estou comemorando meu aniversário com as folhas opostas à privada, escrevendo minhas reminiscências, com um toco de lápis que subtrai do cubículo que chamam 'consultório'.

     O Estado toma conta de mim, fornecendo medicação, psiquiatra e acomodações: um catre e trapos para me cobrir.

     Já me deram muitos choques com a intenção de expulsarem as Vozes.

     Acho que conseguiram. O silêncio tem sido meu companheiro.

     Meu endereço atual é o instituto psiquiátrico forense.
     
      Parabéns para mim!

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