Capítulo 5: Artie

Start from the beginning
                                    

Naquela noite, enquanto andava pelos corredores em direção a saída dos fundo da escola, eu levantei a aba do casaco sobre meu pescoço. O Amazonas não era um estado frio, muito pelo contrário, mas justamente por isso quando esfriava um pouco o tempo, eu já estava me cobrindo inteiro. Falta de costume era uma merda.

Meu sapato fazia eco com a pisada firme no assoalho bem conservado, que misturado ao barulho da chuva fina do lado de fora, gerava uma sinfonia estranha pelos ambientes vazios. Ivan, um dos monitores, me acompanha um pouco atrás.

Era regra geral que cada um de nós fossemos acompanhados quando caminhávamos pela noite na escola, com exceção de finais de semana e feriados. Então eles nos deixavam no portão principal, e as três da manhã nos pegavam no mesmo lugar. Se alguma vez acharam estranho voltarmos por vezes descabelados ou sujos, nunca falaram nada. E se falassem, a nossa desculpa padrão era brincar que olhar estrelas poderia ser um trabalho perigoso.

Avistei os meninos já parados embaixo do portal enorme de pedra. Louis sentado no chão, de olho na chuva, Vince mexendo no celular ao lado dele, Balta com uma expressão sonolenta pouco atrás. Nico cochilando em uma poltrona antiga, Etienne encostado na parede, de braços cruzados e parecendo um galã francês metido, Leônidas batendo o pé, com as mãos no bolso da calça, os olhos vidrados no lado de fora e Thomas meio perdido no meio deles, o que chamou minha atenção de imediato. Thomas jamais parecia perdido em lugar nenhum. Era o cara mais adaptável que eu conhecia. Franzi minha testa para ele, que desviou de mim e acenou para os monitores quando eles se juntaram e foram embora

Não foi preciso que nada fosse dito entre a gente. Nunca era. Ou outros simplesmente ficaram de pé, subindo a capa de chuva pela cabeça e fechando os casacos por cima das roupas. Formamos uma linha em frente ao portal, mantendo-me ao meio, como sempre havia sido. Uma confirmação muda de que aquilo havia sido formado por mim, e que eu quem comandava o jogo.

Quando assobiei para eles, saímos correndo porta afora, respingando lama em nossas calças arrumadas e nos sapatos engraxados. Eu ri. Adorava aquela sensação de liberdade de quando corríamos nos jardins da escola no meio da noite. De alguma forma parecia uma quebra das regras, uma violação de todo o método retrógrado de educação que nossos pais impunham para a gente durante anos, nos colocando naquela merda de lugar. Ao correr feito loucos no meio da mata, e às vezes acompanhado pela neblina, era assim que sentíamos: garotos além da ordem. Ousados ousando em viver. Como dizia meu poeta predileto, Thoureau: "Indo a floresta porque queríamos viver livres".

A cabana de observação espacial, que era como chamávamos a sala onde estavam os telescópios, ficava uns duzentos metros afastada da escola, em cima de um pequeno morro e perto do portão de descarga de mercadorias. Havia sido uma posição estrategicamente pensada para facilitar nossa saída. De acordo com a desculpa esfarrapada de Jony para o diretor, aquele era o melhor lugar das redondezas para colocarem as máquinas. Não era de todo mentira, já que as árvores ao redor dos prédios fechavam a mata e tornavam impossível o uso de telescópios, a não ser que fosse no telhado da escola. E como o diretor não confiava o suficiente em nós em um telhado, preferiu a cabana em cima do morro.

Quando chegamos eu abri a porta usando minha chave, e os outros me empurraram para dentro, na intenção de fugir da chuva. Entramos aos tropeços, pendurando meticulosamente as capas nos ganchos atrás da porta, fazendo os pingos contínuos que caíam delas molharem o chão, que já não estava seco pela nossa presença. E quando por fim desabamos ao redor da mesa grande, desatamos a rir de nada em específico. Só porque correr na chuva era gostoso e engraçado.

— Cara, estou me sentindo um pinto molhado. — Falou Vincent tirando a blusa de baixo e pendurando no encosto da cadeira. — Vai, Louis, faça algo útil e pega nossos macacões no armário.

Constelação de Gritos Mudos (Degustação)Where stories live. Discover now