Capítulo 2: Sylvia

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A imagem refletida no espelho era a de uma garota como qualquer outra, quando levantava pela manhã depois de uma noite de muito sexo maluco e sem sentido. Os cabelos tão bagunçados que mal se passavam os dedos, os olhos inchados e um tanto vermelhos, pelas horas insones, e, no meu caso, uma expressão de solidão e desagrado constante. Era prova de que orgasmos nem sempre vinham acompanhados da sensação de completude. Por mais que eu tentasse, esse sentimento bom pós transa jamais chegava até mim. Possivelmente não sabia muito sobre bons sentimentos, de modo geral. Orgasmos? Ok. Satisfação? Zero, por mais incrível que isso fosse. 

Joguei água no rosto, tentando dissipar parte de minha cara inchada, e arrumei os cabelos em um rabo de cavalo solto e torto. Não encontrei nenhuma escova de dentes extra, então usei meu indicador para substituí-la e fiz o melhor que pude para ficar com o hálito que cheirasse menos a tequila dormida e mais a saúde.

Tentei achar minhas roupas e não dei muita sorte com a calcinha. Cheguei a olhar até dentro do sapato dele. Então só vesti o short e a camiseta por cima e empurrei os pés dentro das botas de qualquer jeito. Queria sair dali o mais rápido que podia.

A figura ainda dormia pesado sobre a cama. Pelado e com as costas largas aparente, parecia um deus grego gostoso e lascivo. Não era muito inteligente ou interessante, mas para conseguir gozar eu não precisava de nenhuma das duas coisas. Então quando vi aquele cara, inédito na cidade, com sorriso bonito e olhar sedutor me fitando no boliche, não pensei duas vezes antes de aceitar a paquera boba e ir parar na sua cama no meio da noite. Ele super bêbado, e eu levemente alegre. Não bebia muito quando saia para trepar, só o suficiente para ficar relaxada.

Fiquei tentando me lembrar o nome dele, mas não me vinha na cabeça. Algo como Iuri ou Iago, talvez. Então por falta de memória, ou simplesmente por não dar a mínima para o nome do cara, só rabisquei um "obrigada pela noite incrível" em um papel de partitura em cima de uma mesinha da sala com uma letra caprichosa. Não deixei meu número, nunca deixava, e pedia a Deus que ele não visitasse aquele boliche com frequência a partir de agora, tentando me procurar. Era um dos meus lugares prediletos na cidade e detestaria ter que ir menos por causa de um carinha novo que iria embora depois que as madeireiras tivessem terminado a época do corte das árvores.

Peguei minha bolsa e saí fechando a porta sem muito alarde. Desci as escadas do prédio com tranquilidade, cantarolando a canção que tocava no boliche quando saímos de lá na noite anterior.

Lembrava exatamente como havia chegado até ali e em que lugar havia estacionado o carro. Ficava super atenta quando saia com eles. Além de ter uma noção espacial tremenda de onde estava e possíveis saídas de emergência, levava na bolsa artigos que os deixariam bem incapacitados, caso tentassem uma gracinha, o que facilmente acontecia comigo porque eu não parava de conhecer homens novos e de sentir necessidade de fuder com todos eles.

Como as madeireiras sempre recebiam novos lenhadores, eu vivia transando. Era minha atividade predileta, e por isso era chamada pelas mulheres de vagabunda, puta, piranha e todos os outros adjetivos derivativos. Sinceramente não dava a mínima para isso. Elas até tinham direito de dizer o que quisessem, já que na maioria das vezes eram filhos, pais, irmãos ou maridos delas. Não tinha culpa pelos pênis desses caras funcionarem em moralidade diferente do cérebro da maioria das mulheres de suas vidas.

Vi o azul do meu Corcel assim que entrei na garagem do prédio. Estava estacionado ao lado da moto dele. O meu veículo em um ângulo perfeito, o dele parecia que tinha sido colocado ali por uma criança cega. Aliás, uma criança cega faria melhor.

Precisei tirar a moto do lugar antes de entrar no meu carro e respirar aliviada. Ali era um dos meus lugares de segurança. Dentro daquele carro sentia-me a vontade para fazer o que quisesse.

Constelação de Gritos Mudos (Degustação)Where stories live. Discover now