Capítulo 5: Artie

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A primeira coisa que Louis me perguntou quando o chamamos para fazer parte do clube, depois de explicar de fato o que fazíamos nele, foi "porque astronomia?".

Essa era uma pergunta recorrente a todos os integrantes que eram convocados para ele. E a verdade era que eu queria ter uma resposta poética para isso, mas tudo o que fui capaz de articular foi "porque dependemos da noite. E quando os gatos dormem, os ratos fazem a festa".

Foi difícil convencer o diretor que deveríamos ter um clube de astronomia na Tenreiro Aranha. Ele alegou que precisávamos de um professor orientador para estar nos encontros uma vez ao mês e avaliar nosso progresso, e isso era complicado por ali. Não tínhamos muitos licenciados em astronomia no Amazonas, e precisávamos de alguém que não nos avaliasse de verdade. Não éramos todos fãs de astronomia. Aquilo era só uma desculpa para estar fora da cama no meio da madrugada.

Eu conhecia um pouco do espaço, como Nico, porque nosso pai sempre gostou do assunto e vez ou outra, quando éramos crianças, sentava conosco e um telescópio, nos ensinando sobre buracos negros, galáxias e estrelas. Mas não podia dizer que Baltazar, por exemplo, entendesse nada ao olhar para o céu além de saber onde encontrar as Três Marias, e isso sendo muito positivo. Não era o conhecimento espacial que garantia alguém a entrar no grupo, mas o quão mentiroso e habilidoso éramos capazes de ser sem nos entregar. E Balta era bom demais com as mãos para ignorá-lo por desconhecer estrelas.

Então Leônidas, como sempre, foi o mestre do plano que trouxe Jony para nossa escola. Chegou aqui com diploma de astronomia pela USP e P.H.D em física de astropartículas pela SISSA, uma escola de estudos avançados na Itália. Se ele havia feito alguma dessas coisas? Que nada! Era formado em física pela UFAL e deu aula no ensino médio de duas escolas particulares em Maceió. Era um hippie maconheiro que gostava de gastar muito e trabalhar pouco, e acabou conhecendo Leo em uma viagem de trem, exatamente nas férias que estávamos caçando o escolhido que ocuparia o papel de professor.

Depois de convencer o cara de que isso seria o pote de ouro dele, e de garantir estoque exclusivo de cannabis da venda de Thomas, foi simples criar documentos falsos e uma vida falsa. A checagem feita pela escola dos antigos trabalhos de Jony caia em um telefone de mentira que era atendido por alguém que pagávamos para dizer o que queríamos.

Então ali vivia Jony: Um magricela de cabelos longos e ar de constante sono que ia aos nossos encontros uma vez por mês e dormia todo o tempo que passávamos no telescópio. Ou não passávamos.

Lecionava uma disciplina de astrofísica como eletiva na escola para quem quisesse, que era quase ninguém. Os poucos alunos que se interessavam pelo assunto a gente costumava dispensar através de provas e trabalhos horríveis, ou de um professor que pegava muito no pé. Como era uma eletiva, ninguém tinha obrigação de cursar. E para a nossa sorte, nenhum aluno chegou por ali realmente bom em astronomia para que não conseguíssemos colocar para correr. Em resumo, só cursava a disciplina quem queríamos, e só participava do clube quem cursava ela e tivesse média geral muito alta, para que as horas perdidas da noite não atrapalhasse o desempenho escolar.

Tínhamos Jony e a diretoria da escola nas nossas mãos habilidosas, graças aos planos mirabolantes de Leo. Hoje o clube era considerado elitizado pelos outros alunos da Tenreiro, e uma quantidade considerável daqueles garotos tentavam entrar justamente por sermos tão exclusivos. Gente rica apreciava exclusividade. Mas quando percebiam que não tinham lugar conosco, simplesmente abriam espaço para a gente nos corredores da escola e criavam seus próprios clubes com suas próprias regras, como se aquilo fosse nos causar inveja. Eles não tinham a mínima ideia do que fazíamos e de como era babaca passar na nossa cara um clube de polo aquático ou de Jenga.

Constelação de Gritos Mudos (Degustação)Where stories live. Discover now