Capítulo 27

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Pisco os olhos com firmeza uma vez mais para ter certeza de que minha visão não está enganada. Todavia, a realidade desse momento é imutável.

Por entre os arbustos verdes e galhos marrons, dois corpos ondulam à escassa luz da lua. Eles produzem suaves frêmitos pelo encontro de seus lábios, o que me leva a compreender que aquela cena não deveria estar sendo assistida por mais ninguém.

Quando Luke desliza a alça do vestido de Cecília por seu ombro, dou-lhe as costas o mais rápido e silenciosamente possível para que minha presença não seja notada. Ao retornar às crianças, sinto minha respiração ofegante e minhas bochechas queimando de vergonha.

-Scarlett? -Kayke fala, surgindo do nada.

Em resposta, praticamente pulo de susto. Ele alterna seu olhar entre mim e o lugar do qual saí correndo.

Exatamente como uma maluca faria!

-O que você quer? -Pergunto na defensiva com a intensão de capturar sua atenção apenas para mim.

-Magnus está procurando por você. Ninguém conseguiu encontrá-la na festa. -Kayke relata, levemente aborrecido com minha impertinência.

-Como pode ver, estou bem aqui na sua frente. Vamos, crianças! -Rebato.

Sem aviso, começo a empurrar a Kayke para o centro da aldeia, enquanto os pequenos lupinos me seguem, deixando Velikaya dormindo descansadamente após longas brincadeiras. Kayke reclama baixinho, mas não tenta me impedir.

-Você está agindo de uma maneira esquisita, Scarlett. -Ele comenta.

-E quem você pensa que é para julgar minhas ações? -Contraponho, com mais raiva do que deveria estar.

Não dou a Kayke uma chance de formular uma resposta. Antes que ele consiga falar, apresso meus passos e me camuflo na multidão lupina, a memória de seus olhos em meu corpo ainda pulsa em minha mente, deixando-me ainda mais instável e confusa.

-Garota, ainda bem que você apareceu! Seu pai está lhe caçando por todos os cantos. O Donum Lunam já irá começar. -Gail exclama, surgindo por entre as pessoas e agarrando meu pulso.

É somente nesse momento que percebo que a conformação da aldeia se alterou. Todos os presentes ali agora formam um semicírculo ao redor da fogueira e, em frente ao fogo ardente, um homem de cabelos brancos e trançados toca uma flauta com seus olhos fechados, produzindo uma melodia suave e doce.

Entre a aglomeração de lupinos e o homem, há um vasto espaço vazio, como se algo fosse acontecer ali. Um silêncio inquietante se arrasta pela atmosfera e não consigo compreender pelo que todos aguardam.

-Esse é Calium, o sábio do Conselho de Canis. Dizem que ele possui milhares de anos, mas não acredite nisso. -Gail conta com uma risada baixinha. -A única verdade é que ele é o membro mais antigo da matilha e por isso coordena o ritual Donum Lunam. -Ela diz em um tom diminuto, somente para os meus ouvidos.

-O que é esse ritual, Gail? -Questiono.

-Às vezes esqueço que você não conhece nossas tradições. -Ela fala com ar levemente desapontado. -Há muito tempo, quando a natureza moldou os lupinos, recebemos a dádiva da capacidade de alterar nossa forma física, assim como triplicar nossa força. Era noite quando nossos ancestrais foram formados e o céu ostentava uma lua cheia e brilhante. -Gail murmura. -A partir daquele dia, ao atingir 15 anos, um lupino ascende a sua segunda aparência durante a lua cheia. O evento ficou conhecido com Donum Lunam, um presente para a lua. Com o passar do tempo, aprendemos a controlar a fera que habita em nós. -Ela continua.

Palácios De Cinzas - Livro 2 - Trilogia Mestiços Onde as histórias ganham vida. Descobre agora