Prólogo 1 - A família Lebron

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  Ela tinha levado muitos tombos em seus vinte e tantos anos de vida, levado muitos foras... Já tinha sido enganada tantas vezes com essa mania de sempre enxergar o lado bom das pessoas, que nem conseguiria contar, mas jamais poderia imaginar a cilada em que acabaria se metendo.

Desde que tinha descoberto a verdadeira face de um homem, Juliana era só a sombra da mulher que costumava ser. Os dias passavam e ela não conseguia sair de seu abismo particular — não que estivesse tentando — e só saía da cama para o essencial, às vezes nem isso.

Do celular, ela nem se lembrava mais, a maior parte do tempo ignorava o aparelho, exceto quando sentia que a família poderia estar muito preocupada. Nesses momentos enviava um "sinal de fumaça" em forma de mensagem rápida, evitando que aparecessem por lá e a enchessem de recriminações.

Por isso estranhou ao ouvir o interfone, mas não reagiu até o terceiro toque.

Abriu os olhos e com um esforço sobre-humano ergueu o torso, empurrando os pés até a extremidade esquerda da cama. Costumava deixar o chinelo exatamente ali, mas, no lugar do solado de borracha, tateou o piso frio com a ponta dos dedos.

Estranhando a ausência das sandálias no lugar habitual, baixou a cabeça procurando e demorou cerca de um minuto para localizá-las, debaixo de Pingo, um dos "diabinhos" com deficiência que com tanto amor ela abrigava.

Ju prensou os dentes e fulminou o cachorrinho com os olhos, era essa a mostra de lealdade daquele projeto de doberman sem-vergonha!

O pincher rosnava parecendo se divertir muito enquanto devorava a correia de um dos pares do calçado, e o outro pé de chinelo já estava relegado a um canto do quarto, depois de perder a utilidade. Por incrível que pudesse parecer, o "roedor" só estava interessado no pequeno círculo de borracha que prendia as tiras no solado.

— Pingo, seu... seu... — praguejou e observou o cachorro rebolar precariamente, preso à cadeira de rodas, balançando o toco de rabo. — Ah, nããão! Esse já é o terceiro esta semana! O que eu faço com você, hein, seu ingrato? Argh! — esbravejou numa reação bastante exaltada em comparação ao estado de apatia em que se perdia nos últimos meses.

Cansada demais para dar uma lição no pestinha, Juliana empurrou o olhar para o canto direito da cama, onde costumava deixar as pantufas, verificando se estavam a salvo. Aqueles hábitos eram os últimos vestígios de organização em sua casa e os únicos de que não abria mão enquanto se afundava em autopiedade. Precisava se apegar a eles, ou se perderia completamente, de tanta dó que sentia de si mesma.

Calçou as pelúcias macias do Garfield, ficou de pé e saiu através da casa povoada de criaturas peludas e penosas até chegar ao interfone. Por um instante cogitou não atender, mas mudou de ideia ao recordar que a amiga estava no fim da gravidez.

— Quem é? — perguntou apática.

— Sou eu, filha.


Apertou o botão para abrir o portão do prédio e foi para a porta aguardar que o pai saísse do elevador.


De fato, ele deveria estar em um cruzeiro pelo Mediterrâneo comemorando a aposentadoria — Antonin pensou e sorriu, tentando dissimular o semblante preocupado.

Viajara deixando uma filha linda, alegre e refinada, mas agora deparava com uma mulher totalmente diferente, de aspecto desmazelado, pele opaca, olhos vazios e semblante triste. Uma sombra da mulher deslumbrante que ela havia sido. Guilherme e Marina não exageraram — Antonin pensou.

Pelo que lhe disseram, nos últimos meses Ju tinha desenvolvido o hábito de adotar animais, a maioria com alguma deficiência física. O problema era que a coisa parecia estar fora de controle, já que havia vários, muito mais do que a casa dela comportava, entre aves, felinos

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