Capítulo 1

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CAPÍTULO 1

"Há quem diga que todas as noites são de sonhos.

Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão. No fundo, isto não tem muita importância.

O que interessa mesmo não é a noite em si, são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado."

-William Shakespeare

Condado de Doughton, nas proximidades de Highgrove House

Sexta-feira, 2 de agosto de1796

-Katherina - a voz de Adalbeorht não passara de um sussurro, sua respiração era pesada demais para que conseguisse dizer uma só palavra, e sua força era amena naquele instante. Mas Lorde de Hinxstone tentara avisar a filha, tentara forçar dizer o que estava por vir, tentara proteger-la até o final de sua vida, mas aquela imagem borrada transformou-se no pior pesadelo de Katherine, seus olhos ficaram vítreos e seus longos e pesarosos suspiros haviam cessado.

-Papai! Papai! Acorde! -Katherina sacudiu os ombros largos de seu pai, desesperada por perder mais um ente querido em curto período de tempo. -Por favor... -com seus olhos inchados e seu rosto coberto de lágrimas, Katherina desabou no peito de seu pai e o abraçou, como se pudesse segurar sua alma -Não vá Papai!

Escutando pesarosos passos no assoalho de madeira do cômodo, Katherine levantou seu rosto para avistar sua madrasta gargalhando em sua frente. Seus dentes pareciam presas ensandecidas, lady Maree encarnava o mal em pessoa. Nem mesmo a bela maquiagem e vestimentas de cetim rose, ou pelo fato de estar segurando seu recém nascido filho no colo, disfarçavam as intenções daquela mulher naquele instante, Katherina não sabia exatamente como explicar, mas sentia que estava em perigo.

-Agora que um já foi, só precisaremos eliminar a outra peça que nos resta no tabuleiro.

Naquele exato instante dois homens mal vestidos que exalavam um forte odor de suor e conhaque, adentraram aos aposentos do Lorde, cada um portando uma arma de fogo e um canivete sujo em suas mãos. Um deles possuía uma cicatriz que lhe atravessava o rosto e outro lhe falta uma orelha.

-Livrem-se dela, este condado precisa somente de um herdeiro e este será meu filho Conde Chester Hinxstone.

Katherina começara a correr, os aposentos de seu pai haviam sido transferidos para o andar inferior devido a fraqueza que tornara dificultosa a tarefa de subir um lance de escada até o andar superior onde permaneciam os aposentos da jovem Katherina e de sua enteada, ela precisava fugir, precisava gritar para pedir socorro, mas sua voz falhara. Sem pensar duas vezes a jovem com apenas dez anos saltara pela janela Highgrove House e correra em direção aos estábulos, fugindo daqueles dois homens estranhos que a seguiam pelo jardim. Inexplicavelmente Highgrove House estava desabitada, todos criados, aias, cavalariços haviam desaparecido. A pobre jovem, mesmo gritando o mais alto possível não poderia ser escutada. Highgrove House ficava longe de outras moradias, ao seu envolto haviam milhas de campinas e de outras vegetações, o campo era o lugar que Lady Katherina mais amava, entretanto naquela noite Highgrove House havia tornado-se um lugar sombrio e vazio.

Sua asma começara dificultar sua fuga, enquanto sua garganta se fechava, e seus perseguidores cada vez mais próximos riam dela, riam da tentativa que ela tinha de se salvar.

-Atire logo e vamos acabar com isso.

Katherine correu mais, estava quase no estábulo, ela podia ouvir o relinchar dos cavalos e sentia o cheiro de estrume que vinha do picadeiro. Ela precisava chegar até sua égua Buffy e então teria uma chance. Mas antes que pudesse abrir as portas do estábulo, um forte estalo seguido de um lasciva dor em seu ombro a fez cair no chão. Katherina havia sido atingida por um projetil em seu ombro esquerdo, perfurando seu corpo atravessando-o até o outro lado, a dor que sofria, era incomparável a qualquer dor que sentira antes em sua vida, nem mesmo quando torcera o pé ao pular de uma árvore, ou quando quebrará o dedo martelando um prego em sua casinha de bonecas. A sensação que tinha era que estava sendo queimada, ao mesmo que tempo que sentia o sangue fluir para fora de seu corpo por onde o projetil havia a atravessado, sua cabeça estava tonta, seu corpo se contorcia de dor, ela não suportava mais o sofrimento, sua família não estava mais em Highgrove House e ela em poucos instantes também não estaria mais ali.

Em um surto de pânico Katherina acordou em sua cama de palha, com os olhos encharcados de lágrimas, transpirando excessivamente, seus cabelos ondulados que se estendiam até pouco abaixo de seus ombros, estavam úmidos e colados em sua nuca, Katherina nunca houvera uma noite de paz desde que seu pai falecera. Nunca houvera uma noite sequer por durante quatorze anos em que pudesse dizer pela manhã que estava descansada e que não havia relembrado em pesadelo aquele pesaroso episódio de sua vida. Katherina não lembrava-se muito bem do transcorrer após ser baleada. Sua aia, havia se tornado sua salvação, ela teimara em permanecer aquela noite em Highgrove House e acordara ao escutar ao disparo de uma arma, Ravendra saíra de seus aposentos correndo e quando avistara sua pequena Lady toda ensanguentada sendo carregada por dois homens, escondeu-se atras de um arbusto e os seguiu até o local em que descartariam a pobre menina, havia caminhado mais de uma milha até que a largassem ao lado do grande fluente de água que atravessava a propriedade. Ravendra esperou até que eles se afastassem suficiente para que não a avistassem e correu até a menina que milagrosamente estava viva. 

Secando seu suor com um lenço Katherine levantou-se silenciosamente de sua simplória cama retirou sua camisola cuidadosamente para minimizar os ruídos que estivesse a fazer no assoalho, não desejava acordar Ravendra antes que o sol iluminasse a medíocre cabana em que viviam desde a morte de seu pai. Katherina sabia que era muito barulhenta até mesmo um pouco desajeitada fazia questão de tomar todo cuidado ao se vestir para não despertar sua aia, ela teria um dia cansativo que a aguardava. Seus esforços deveriam ser guardados para o trabalho árduo que desempenhavam na plantação de cevada.

A jovem dama usou sua calça, alcançou a faixa de tecido que usara desde então para cobrir e comprimir seus seios, e por ultimo vestira uma camisa de homem, seus cabelos longos foram presos em um coque baixo, seus sapatos de couro escuro, também masculinos se encaixaram em seus pés, e pouco antes de sair da cabana, arrancou sua casaca marrom e seu chapéu de um e outro cabide ao lado da porta. Katherina tivera uma infância e puberdade distinta de outras jovens que haviam crescido, debutado e freqüentado temporadas em Londres, ela sempre imaginará quando seria sua hora de debutar e de frequentar eventos dos quais ela e suas vizinhas de propriedade tanto sonhavam em participar. Mas em questão aquela jovem teve sua vida remodelada pelo medo.

Lady Katherina agora era conhecida como Therin Wright. Seus esforços para esconder sua aparência feminina vinham desde o jeito de caminhar até a forma em que bebia um copo de conhaque. Ela havia se tornado uma especialista em se disfarçar e em consumir álcool, geralmente o consumia durante a noite na taberna em um vilarejo local, isso afastava um pouco seu pânico noturno e permitia que dormisse minimamente melhor, não de forma satisfatório pois sempre que bebia na manhã seguinte acordava com uma terrível dor de cabeça.

Ainda era escuro em Long Furlong, o céu carecia de estrelas naquela madrugada, a temperatura amena e o orvalho que despencava do céu deixava as bochechas e nariz de Katherine levemente avermelhados. Ela não desejava mais dormir e voltar a ter pesadelos relacionados ao seu distante passado. Ela era uma jovem forte já havia enfrentado muitos obstáculos em sua vida e não deixaria se aborrecer devido a mais uma noite mal dormida. Katherine já estava acostumada a caminhadas noturnas e por vezes acabava guiando seus pés até ao mesmo lugar.

Lady Katherina Hinxstone, filha de Conde Adalbeorht Hinxstone estava morta e enterrada em uma lápide no jazigo particular de sua família, ao lado de seus pais Lorde Adalbeorht e Lady Brianne Hinxstone. Katherina sentia-se irônica quando visitava aquele local, pois aquela lápide em que estava inscrito seu nome a provava que tudo não passava de uma farsa planejada por Lady Maree, sua ex-madrasta.

Pobre menina tirou sua própria vida após a morte de seu amado pai. Eram o que diziam a más bocas. Ela estava irreconhecível quando a encontraram. Devido a este fato o funeral fora com o caixote fechado. Era o mais conveniente para Lady Katherina permanecer na memória de seus queridos como uma bela menina, tanto quanto era conveniente para Lady Maree esconder a verdade de outrem curiosos que participariam do funeral da menina. Com o caixote fechado não precisaria de um corpo, não precisariam de Katherina.

Lady KatherinaWhere stories live. Discover now