Capítulo I

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A priori, depois do fim do assalto, cada um seguiria seu rumo, afinal, como as relações pessoais eram proibidas, não haveria motivos para encontros posteriores. Entretanto, o amor é um pássaro rebelde que ninguém pode prender. Apesar das dificuldades dolorosas, o assalto os uniu como uma família e isso não estava nos cálculos do professor. Estremece com o pensamento, antes do assalto estava convencido de que seu plano era perfeito, que nada, nem ninguém iria impedi-lo de chegar até as últimas consequências para oferecer aquele tributo ao seu pai. Agora, depois de tanto tempo, conseguia ver cada erro, seu, dos assaltantes, da polícia, dos reféns e de todo mundo com muita clareza. A maioria seria facilmente inevitável e evitaria muitos estragos. Se fosse o mesmo Sérgio anterior ao assalto, teria passado todo este tempo de foragido se remoendo por cada erro e fraqueza, mas era impossível, já que dividia a cama com a maior fissura que tivera no plano e não estava nem um pouco arrependido disto.

Todas essas reviravoltas brincavam de ziguezague em sua mente porque há alguns minutos ele nem imaginaria que estaria ouvindo aquilo.

Ele e Raquel estavam terminando de fazer a sobremesa da noite: Turon. Um doce típico de Filipinas, basicamente fatias de banana e jaca enroladas em açúcar mascavo e embrulhadas em papel manteiga. Todos da casa amavam e a Raquel ficava roubando as fatias de banana, fazendo o namorado ter que cortar mais e passarem mais tempos juntos na cozinha nessa brincadeira de polícia e ladrão.

Algo que eles claramente já tinham prática, diga-se de passagem.

Talvez por serem procurados internacionalmente, não consumiam produtos digitais que possibilitariam o seu rastreio pela Europol e outros órgãos tão inofensivos quanto, mas o que realmente os motivavam a utilizar tudo analógico seria que brincar o dia inteiro na praia e ilhas ao redor era muito mais divertido que The Sims e ter Instagram – ao menos era a desculpa que Paula ouvia – e na realidade era mesmo.

Entretanto, professor era responsável pela segurança dos dalís e por todo o dinheiro que eles imprimiram, isso obviamente exige tecnologia de ponta, que não fosse detectada por órgãos federais, para entrar em contato com os transportadores – responsáveis pela segurança dos outros – e com as pessoas que mantinham suas identidades falsas passarem despercebidas pelos governos, assim como seus investimentos ao redor do mundo. Ele estava onipresente na vida de todos e sabia de todos os acontecimentos, mas não para que o transportador de Denver e Mônica entrasse em contato aleatoriamente enquanto Raquel lhe sujava o nariz com açúcar mascavo por ele estar segurando o cacho de banana lá no alto para que ela não alcançasse, mesmo que na ponta dos pés. Os dois não ficaram nervosos, anteontem mesmo o transportador de Helsinque tinha entrado em contato para poder utilizar dinheiro que não estava previsto para subornar um novo policial da cidade. Como Paula e Mariví já estavam na mesa, ansiosas pela janta e sobremesa, os dois se olharam e combinaram silenciosamente que ele ia verificar o que era enquanto ela terminava de servir as mulheres Murillo.

Foi diretamente ao escritório, onde havia um telefone velho o suficiente para que, somado à ajuda de alguns hackers, não fosse detectado.

Inicialmente, nem mesmo o transportador parecia entender a razão pela qual entrava em contato, mas basicamente Denver insistia que queria fazer um batizado simbólico para Cincinnati com a presença de todos.

A expressão facial de Sérgio mudou de incrédulo para indiferente e depois a simpatizante da ideia. Após a perda de o único membro de sua família, ficou sozinho naquela ilha por um ano inteiro e aquelas interações, até as mais bobas, com os transportadores era o mais próximo que tinha de uma família. Com a chegada de Raquel, ele aprendera a amá-la um dia após o outro e tanto transbordava que aprendia a cultivar ainda mais o carinho que tinha pelos demais. Não conhecia Cinci, a última vez que vira Mônica e Denver, naquele barco, ela não estava nem com a barriga despontando. Ele também deveria ter mudado tanto... a paternidade muda qualquer um. Sorri ao se lembrar de Paula.

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