Capítulo único

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O Velociraptor farejava o solo da pedreira à procura de carne. Ele seguiu o rastro fresco que Élio — também conhecido como Dente de Leite — deixara ao passar se escorando pela parede.

Élio podia ser apenas um menino das cavernas que não passava dos seis anos, mas possuía a habilidade de um espadachim e o talento de um pistoleiro. Ele observava escondido, arquitetando um plano suicida. Acabou o tempo em que tinha alguma escolha; precisava atacar. Sacou sua metralhadora cor neon na expectativa de alvejar o inimigo, que ostentava uma cicatriz profunda próximo ao focinho. O Velociraptor se aproximou, veloz, abanando o rabo e latindo para que o caçador de dinossauros se revelasse.

— Ele me descobriu. Criaturinha inteligente! — Élio saiu de trás da rocha com sua Nerf apontada para o dinossauro e disparou uma rajada de dardos contra o animal que fugiu ganindo assustado.

— Dentinho, vem lanchar! — Sua mãe chamou de dentro de casa.

Ele assobiou e seu cachorro, Rasgado, voltou desconfiado, com a língua de fora. O menino afagou o topo da cabeça do cão, tomando cuidado para não encostar na cicatriz. Ele gostava de saber que tinha algo em comum com seu animal de estimação; ambos foram resgatados das ruas em condições lamentáveis. Tiveram sorte de encontrar uma boa família que os quisesse adotar. Tiveram sorte de encontrar um ao outro.

Dente de Leite e Rasgado disputaram uma corrida até a cozinha.

Miriá estava num vestido florido, chacoalhando seus cabelos ondulados enquanto organizava as compras no armário da dispensa. Élio permaneceu encantado, aspirando seu perfume até que suspirou, decretando que a mãe era a mulher mais linda do Brasil.

— Aí estão vocês! De que estavam brincando?

— De Planeta dos Dinossauros.

— E Rasgado era o Tiranossauro Rex nessa brincadeira, imagino.

— Velociraptor, mamãe. Rasgado é pequeno demais para ser um Rex, mas pelo menos ele corre ligeiro.

A Mãe sorriu, despejando uma porção de ração no pratinho prateado do cachorro.

— Muito bem, até os dinos mais rápidos precisam parar pra fazer uma boquinha de vez em quando, certo, Rasgado?

Dente de Leite subiu na cadeira da mesa e ficou na altura da mãe.

— Rasgado pode dormir dentro de casa hoje, mamãe? — pediu com uma voz exageradamente manhosa.

— Já falamos disso, Dentinho. Lugar de cachorro é na garagem. Não tem com o que se preocupar. Rasgado tem tudo que precisa lá fora.

— Ah, mãe. Eu que queria morar na garagem.

— Por que, meu amor?

— Tem um pernilongo no meu quarto.

A mãe revirou os olhos.

— Não tem mosquito no seu quarto. Eu coloquei veneno ontem. Se tinha, agora ele já foi embora.

Dente de Leite pensou por um momento.

— Não foi o suficiente.

— Ora, deixe disso, menino. Se eu encontrar um pernilongo nessa casa, ele não terá a mínima chance — a mãe ergueu a raquete elétrica como se fosse o Mjölnir, o martelo de Thor.

Élio, fascinado, acompanhou a mãe guardar a raquete em cima da geladeira. Ele não tinha permissão para brincar com ela, embora quisesse muito usar como sua arma de combate. Ele sorriu, se imaginando como um super-herói da idade das pedras enfrentando arqui-inimigos selvagens, montado em seu velociraptor, Rasgado.

Dente de Leite: Ameaça das FadasWhere stories live. Discover now