Domingo à noite

42 1 0
                                    

A alegria de Cristina se dissipa instintivamente quando encontra sua residência bagunçada ao chegar do culto. Suspira profundamente antes de tirar os sapatos e trancar a porta. Seu marido estava jogado no sofá, agarrado ao controle e uma garrafa de sua cerveja mais odiada, contudo a mais barata. Por trás da cara amassada de sono estava uma alma morta, sem esperança ou paz, que embaçava sua vista para não precisar ver-se perdido no oceano de tristeza que lhe afogava.

De um por um, desligou a televisão, tirou da mão do amado o recipiente com um pouco do líquido odiado, repreendeu, pegou os pacotes de salgados e salgadinhos que emporcavam o chão, iniciou um dos louvores que tinha ouvido e foi para a cozinha; sobre a mesa havia contas pendentes, juros bem demarcados da noite anterior, a geladeira repleta de avisos sobre os remédios de seu pai e fotos de sua falecida mãe. Respirou fundo novamente. Jogou fora as besteiras que tinha em mão e pegou uma garrafa de água; bebeu até quase esvaziar e pôs para encher.

O celular começou a vibrar ao captar o sinal de Wi-Fi. Dirigiu-se para um banho, tinha de resfriar a cabeça depois de lembrar das tarefas infindáveis que lhe perseguiam; não tinha sossego enquanto lembrava-se de sua vida. Ela chorou sob as águas quentes que relaxavam seus músculos, porém mantinham seu cérebro e coração comovidos e tencionados sobre os deveres e promessas que se arrependiam de ter tomado.

Não era pobre, mas nunca era suficiente. Conseguia bancar um bom apartamento numa área bem localizada mesmo com o marido desempregado e alcoólatra. Os irmãos não ajudavam com as despesas de seu pai, então estava bem.

Não. Não estava. E amanhã Pedro sairá daquele sofá para procurar um emprego? Arf! Mas ele fede a bebida. Quem contrataria um adulto rendido à desesperança? Ele não vai procurar. Eu não tenho dinheiro para pagar as cervejas. Onde ele consegue? E papai? Será que lembrará finalmente de nós? Que droga! Odeio vê-lo sem saúde. Principalmente aqui! Não que eu não o queira doente, não que eu queria... Você entendeu. Terei de dormir pouco pra ir no mercado pela manhã. E se a moça não for? E se nesta noite ele morrer? Como eu fico? Seria justificável desistir assim?

Dúvidas como essa, provocadas mais rapidamente do que ela conseguia pensar ocorriam frequentemente.

Ao sair do banheiro estava melhor, mas não como a igreja lhe deixava. Era uma cristã, certo? Tinha o maior prazer em estar rendendo culto a Deus. Claro que era.

Ou não.

Olhou para a sala, sentiu seus olhos formarem lágrimas. Eram de tristeza, foram interpretadas como sono. Seu coração apertava até o quarto e deitou-se à beira do pranto; o abismo era atraente, seria tão mais fácil lançar-se ali do que enfrentar tantas adversidades e sua instabilidade deixava tudo ainda mais fácil, todavia tinha de conter-se à sua solidão, não suportaria os julgamentos que viriam com um suicídio cristão. Que tipo de discussão isso causaria entre seus irmãos? Quem cuidaria de sua família? Cris tinha de segurar-se mais um pouco.

Dormiu pensando no que resolveria ao amanhecer do ansioso segundo dia da semana; sequer passou-lhe brevemente à mente a pequena oração que outrora foi seu costume de nova convertida sonhadora.

A almaDonde viven las historias. Descúbrelo ahora