Capítulo XIX - Anjo

39 6 23
                                    

Carma, destino ou simplesmente acaso, independente do que acredite, sei que fui recompensando com um anjo da guarda, mesmo não me achando merecedor de tal graça, do céu, minha mãe conversou com alguma divindade pedindo que enviasse Beatriz.

Os sentimentos permaneceram congelados desde minha infância, adormecidos enquanto buscava concretizar a promessa. E agora, voltei a usufruir de um amor contagiante, no início tive medo, receio e até dúvidas, como saberia se estaria preparado para amar? Mas, a cada dia ela foi me conquistando, entregando um carinho especial a mim e a minha causa.

De dia, a dupla de editores Dante e Beatriz trabalhavam fervorosamente para entregar um projeto incrível, que atraísse e ajudasse todos os leitores que tivessem contato com a história.
À noite, ela me fazia o homem mais feliz do mundo, preenchendo o vazio que carreguei sem perceber durante esta trilha que chamam de vida.

Era quinta-feira e estávamos todos numa reunião nas dependências da editora, na lousa o plano de desenvolvimento para a campanha de divulgação da minha última história, essa que não estava saindo como eu gostaria.

As áreas de marketing e edição solicitaram alterações de enredo e cortes em partes que eu considerava importantes para a mensagem geral do livro. Disseram que eu estava sendo pouco comercial, e que tinha que pensar nas vendas antes de cogitar em matar o protagonista principal de uma trilogia, ou de utilizar tramas complexas que afastem quem está do outro lado do papel.

Dinheiro, o foco destas pessoas sempre será dinheiro.

Estava passando por uma fase difícil na minha carreira, meus ideais e interesses estavam se divergindo do restante da empresa, poucas pessoas, na verdade, apenas Beatriz me entendia de verdade. Com pouca influência nas decisões e limitada a suas atividades, buscava ajudar com argumentos.

— Edgar! — Começou a dizer o diretor financeiro da editora três juízes. Gesticulando muito e direcionando minha atenção aos gráficos apresentados — Não podemos encaminhar de novo a verba da venda dos exemplares para os projetos sociais que financia! Muito menos tornar o preço tão baixo a ponto de não pagar os próprios custos de produção. Não somos uma instituição de caridade, e dependemos do sucesso desta nova obra para alavancarmos receita.

Ajustei os óculos e coloquei a mão no rosto. Além do stress, também não me sentia muito bem. Nos últimos meses dores de cabeça e nas costas, irritação constante e dificuldades para dormir estavam me desgastando fisicamente e mentalmente. Também era comum esquecer de algumas coisas, ou até mesmo partes do dia.

— Se a companhia não tem condições de ajudar, destinem apenas a minha parte então. Mas não poderei abrir mão do final do livro.

A irritante Alice do marketing se colocou de pé, ambas as mãos sobre a mesa, corpo ereto.
— Não voltaremos neste assunto de novo! — Disse ela, autoritária — Esse final não vende! Terá que manter o que combinamos.

Todos na sala se entreolharam, ficou claro a tensão.

— Se sou o autor responsável pelo mundo que crio, pelos personagens que dou vida, pelo enredo que desenvolvo, por que sinto que sou a pessoa com menor poder de opinião nesta sala? Desde o começo fui transparente em dizer que não permitiria duas coisas! Projeto sem contribuição a sociedade e mudanças drásticas nas histórias. E veja onde estamos! Exatamente passando por cima das duas únicas regras impostas.

— As coisas mudaram um pouco Edgar... — Disse o diretor chefe, com um tom de voz calmo — Seu nome e suas belíssimas obras carregaram essa editora, longe de qualquer um nesta sala querer desagradar suas importantes decisões, mas precisamos do máximo de patrocínio desta vez, sei que já o fizemos escrever coisas que não eram 100% suas. Peço que por favor, faça mais este esforço, prometo que será o último. E todos os demais lançamentos seguirão o padrão inicial.

Mike era um bom homem, já o vi fazer muito pelos seus funcionários e pelo povo de Riverside, não conseguia dizer não a ele.

— Tudo bem Mike — Afirmei — Faremos mais este deste jeito.

— Obrigado Ed! — Ele fez uma reverência japonesa de agradecimento.

No fim da reunião, depois que todos voltaram as suas mesas, Beatriz permaneceu na sala comigo. Óbvio que para consolar minha frustração.

Ela é um anjo.

Ainda estava sentado na cadeira, quando ela se levantou e veio até mim, deu um abraço e um beijo na parte de cima da cabeça.

— Sei o quão difícil é isto — Falou ela — O mundo é injusto às vezes, você sabe disto melhor que ninguém. Pense que este será o último, depois, serão todos do jeito que só meu lindinho sabe fazer.

A abracei também.

— Obrigado!

— Também terá o nosso casamento e sairemos em lua de mel, prometo que será inesquecível!
— Parece interessante! — Sorri, a trazendo para perto com um puxão.

— Não agora seu safadinho — Bia sentou em meu colo.

— Pensei em algo — Falou, enquanto passava a mão em meu cabelo, o colocando atrás da orelha.

— O que seria?

— Para que esse dia chegue mais rápido, por que, não faz uma breve viagem criativa? Aquela em que escritores famosos costumam fazer para finalizar um livro, ou acumular ideias e inspirações.
— Tipo uma cabana nas montanhas?

— Exatamente! Tenho certeza de que além de aliviar esta carga atualmente em cima de você, o fará finalizar o projeto. E então poderemos nos casar!

— Está me propondo uma despedida de solteiro? Sozinho no meio de um chalé de madeira? Quão esperta você é! — Toquei com o dedo indicador sua testa, a empurrando de leve.
— O que acha? — Perguntou.

— Parece uma boa ideia. Acredita que devo ir quando?

— O mais rápido possível! Quero usar meu vestido — Ela deu uns pulinhos no meu colo, se sacudindo de alegria.

— Nossa, que repentino..., mas acho que posso fazer isto.

Ela se levantou num salto.

— Que ótimo! Então já vou preparar as coisas para quando você voltar — Bia aparentava muita empolgação — Só mais uma coisa. É bem possível que eu queira te ligar neste tempo longe. Por mais que a saudade aperte, você deve manter-se forte e não me atender, está bem lobinho?

— Prometo! — Levantei a mão direita — Palavra de escoteiro.

— Te amo — Beatriz mandou um beijo no ar e fez um coração com os dedos.

— Também te amo. 

Apócrifos - A porta dos onze fechosWhere stories live. Discover now