Capítulo XVI - Mentira

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Pela terceira vez na vida, eu havia voltado à estaca zero, três anos se passaram e fiquei desiludido com a humanidade, claro que nada seria forte o suficiente para me fazer desistir. Mas, depois que olhei para ele, senti um pouco de vontade de esmurrar o chão e lamentar por pelo menos uma noite.

Somente após isto pude entender o motivo por trás de tudo. A estupidez e inocência foram mais uma vez o motivo de minha ruína.

O emprego no Harold Brown Asylum estava sendo o melhor que tive na vida, consegui através dele evoluir e muito minha escrita, os livros de psicologia que haviam na biblioteca me ajudaram no entendimento do comportamento humano e até mesmo os problemas e histórias dos pacientes geraram inspiração para diferentes personagens e enredos.

As conversas com o senhor Harold eram produtivas, além de grande fã de literatura, com o tempo descobri sobre suas obras publicadas e a vitoriosa carreira como escritor. Conforme íamos criando maior afinidade, ele me assessorava sobre a parte de negócios do ramo, dando dicas sobre o que teria que fazer para ter minhas histórias lançadas no meio editorial.

Também permitia que usasse os computadores do complexo para escrever, então podia aproveitar qualquer tempo para praticar e criar novas tramas. Era raro os dias que voltava para casa, passava a maioria das noites dentro das dependências da reabilitação.

Numa destas noites, fiquei como de rotina na biblioteca realizando pesquisas, e um dos residentes conseguiu escapar de seu quarto, possivelmente evitando os antidepressivos e calmantes fortes que eram obrigados a tomar todos os dias para dormir.

Me espantei quando o vi atrás de mim, com os olhos arregalados e um sorriso desproporcional, os cabelos desgrenhados e uma conversa que só consegui entender semanas depois.

— O paciente 77 está no fim, não consegue mais sustentar as sanguessugas absorvendo todo seu sangue. Sua energia vital está se extinguindo, o paciente 77 está no fim. Ajude ele. Você é bom, não é? Você é igual a nós, não é? Eu sei, é sim. O paciente 77 está no fim. Devia ir visitá-lo, tirá-lo daqui. Você é nosso líder, oito vidas foram extraídas do paciente 77, ele não está bem, não conseguirá outra vida.

Antes que eu pudesse dirigir uma palavra, alarmes soaram e vi entrando pela porta da biblioteca o gigante Warren, junto com duas enfermeiras carregando uma seringa, o pobre homem tentou correr para qualquer lugar, mas sua coordenação motora era diferente, e não demorou para que chegassem até ele e com força injetassem em seu pescoço uma dose de tranquilizante.

Naquele dia me questionaram sobre o que havia escutado do "louco" Bill, disse que nada além de informações sem sentido sobre sua esposa. Mas, suas palavras sobre o paciente 77 ficaram comigo durante longos dias.

Investiguei o caso o máximo que pude e o choque quando descobri foi imenso, ainda tentei fazer algo para mudar aquela situação, mas não demorou muito até me mandarem embora, e cortassem todo meu contato com o complexo.

De início, pensei que o senhor Harold queria me tirar de foco quando descobri os segredos do paciente 77, porém, agora com o livro em mãos entendi seu real negócio. Tudo que queria era roubar minhas ideias, meu trabalho que dediquei a vida.

Minha primeira história finalizada estava em destaque nas prateleiras das livrarias, best-seller de um dos mais promissores autores nacionais, Harold Brown, o bem-sucedido psiquiatra, administrador de empresas e escritor de literatura fantástica.

Havia na entrada da loja uma agenda com as datas das noites de autógrafos do seu último sucesso.

Meu livro, que dediquei a minha mãe, estava exposto com o nome de outra pessoa.

Não foi a possibilidade de fama ou dinheiro que mais me machucou, mas saber que todo o sentimento que coloquei naquela história não estava sendo passado da forma correta, apenas um produto rentável colocado como objeto de ostentação para o ego de um magnata interessado em dinheiro e luxo.

Comprei o livro.

E no caminho para casa fui refletindo sobre tudo que havia passado em vida para chegar até ali, ainda sem nada concreto, sem conseguir entregar a história que prometi a minha falecida mãe.
Mas, por mais que as ideias pudessem ser roubadas, uma coisa ninguém podia tirar de mim.

Minha força de vontade era infinita e ilimitada, enquanto estivesse respirando continuaria buscando.

Tentando.

Nem que para isso, caía e tropece no caminho.

Levantarei quantas vezes for necessário.

Morte.

Castigo.

Abuso.

Traição.

Nada, nada mesmo irá me impedir.

Começarei do zero de novo mãe.

E entregarei uma história que transcenda os céus. 

Apócrifos - A porta dos onze fechosWhere stories live. Discover now