Capítulo Único

55 11 13
                                    


A expectativa de batalha era pior do que efetivamente a batalha em si. Não saber o que poderia acontecer era algo que fazia o coração pulsar cada vez mais forte. Era essa pulsação que Helena sentia em seu peito. Sentia também a ansiedade retirando-lhe o ritmo da respiração e a tornando ofegante. Sua boca estava seca, quase sem saliva. Resolveu isso umedecendo os lábios com a própria língua enquanto olhava para o lado e via todos os soldados que estavam, juntos com ela, sobre as ameias do castelo para impedir que este fosse invadido.

— Arqueiros! — Gritou o comandante ao longe — Atenção!

A pulsação juntamente com a respiração de Helena pareciam ter sido interrompidas e o mundo congelou a sua volta. Em segundos ela olhou para o horizonte. O sol já estava se pondo, porém ainda derramava luz suficiente para que as tropas inimigas fossem vistas.

Helena segurou firme o arco composto com a mão esquerda. As flechas ficavam numa

estrutura de aço em forma de balde próximo a sua perna direita.

Pegou uma.

Aguardou pelo próximo comando que já sabia muito bem qual seria.

Ficou com os olhos fixos na direção da infantaria inimiga, soldados bem vestidos em armaduras vermelhas, com longas penas pretas no elmo. Portavam lanças e, para se proteger dos ataques, escudos também negros.

Helena já sabia qual era a distância que os invasores precisavam estar para que suas flechas fossem efetivas.

Continuou atenta. Só então percebeu que ainda estava prendendo a respiração de tanta ansiedade e tensão. Soltando o ar dos pulmões, relaxou um pouco, mas sem perder a atenção.

Ouviu ao longe, o som de uma trombeta de guerra e então, por detrás da infantaria vieram os arqueiros inimigos munidos de arcos longos e armaduras semelhantes às de seus companheiros, porém pareciam ser feitas de um material mais leve para proporcionar uma agilidade e uma flexibilidade melhor aos movimentos.

Mais um toque da trombeta.

Agora era o início.

— Disparar! — gritou o comandante.

Helena levantou o arco fazendo um certo ângulo para que a flecha pudesse viajar junto com a de seus companheiros e pudesse encontrar os pontos mais falhos dos inimigos.

Soltou a flecha.

— Uma flecha por uma vida — pensou.

Ela já sabia como funcionava aquela dança. Sabia qual era o próximo passo. Quando estava indo em direção ao balde buscar outra flecha, ouviu um estrondo.

O piso da amurada tremeu debaixo de seus pés.

— Catapultas! — gritou alguém desesperado.

Outro estrondo e novamente o chão tremendo.

E então as flechas dos inimigos chegaram. O som das pontas feitas de metal acertando a pedra do muro era semelhante ao som de uma chuva torrencial que cai sobre as calçadas de uma cidade, porém muito mais fúnebre.

Os gritos de alguns soldados que defendiam o castelo podia ser ouvido enquanto eram atingidos. Alguns caiam já sem vida sobre o pátio do castelo. Entretanto, a maioria das flechas inimigas pararam nas ameias.

— Disparar! — o comandante gritava novamente.

Helena mal tinha conseguido voltar a sua posição de ataque, contudo cumpriu a ordem.

Mais uma flecha diminuíra no balde, mais um cadáver aumentara no campo de batalha.

Outro estrondo e dessa vez ele não veio acompanhado somente de um tremor e sim de um desabamento.

Uma parte da muralha não resistiu e se derramou como uma cachoeira feroz por sobre o chão levando pedras, flechas, corpos e também soldados, entre eles, Helena.

Sua visão estava totalmente turva e tomada por uma poeira acinzentada que a impedia de

ver claramente. O cheiro de terra preenchia suas narinas. Sua audição era apenas um fino e interminável zumbido. Em suas mãos o arco continuava firme.

Começou a tossir.

A névoa empoeirada foi se dissipando enquanto Helena procurar por flechas.

Quando pode ver claramente, vários inimigos já estavam se aproximando.

Deu um longo assobio, parecendo seguir um padrão conhecido, como se quisesse sinalizar para algo. Aquilo chamou atenção de alguns dos inimigos que vieram correndo em sua direção.

Encontrou o balde preso entre alguns destroços da muralha derrubada.

Pegou uma flecha.

Dessa vez, não esperou por ordens, seguiu os próprios instintos.

Disparou.

— Uma flecha por uma vida — pensou em voz alta.

Disparou.

— Uma flecha por uma vida — sussurrou para si mesma.

A corda do arco estalou próximo a seu ouvido novamente.

— Uma flecha por uma vida!!! — gritou confiante.

Os inimigos tombavam um após o outro enquanto ela continuava a disparar.

Flechas começaram a vir em sua direção, mas sem muita efetividade.

Ela precisou se esquivar e se proteger atrás de algumas pedras soltas.

Catou as duas últimas flechas que restavam no balde e correu tentando se abrigar de volta no castelo.

Sentiu uma fisgada seguida por uma dor. Uma flecha estava fincada em sua omoplata. Aquele ferimento talvez não a mataria, porém a dificuldade de disparar flechas dali por diante sim.

Continuou a correr, fugindo dos atacantes que a perseguiam. Eram uns três lanceiros e mais alguns arqueiros que continuavam a disparar.

E a situação começava a ficar cada vez mais complicada para Helena.

Um longo piado lembrando o grito de uma águia pode ser ouvido vindo dos céus. O piado seguia o mesmo padrão do assobio que ela dera quando caiu do castelo.

Helena deu um meio sorriso. Sua respiração relaxou.

E então, caindo sobre os inimigos, um enorme hipogrifo pousou no campo de batalha, bem à frente de Helena. Coices começaram a ser desferidos nos inimigos. As armaduras dos agora, defensores foi rasgada como papel perante as garras da criatura.

O hipogrifo ainda arrancou a cabeça de um dos atacantes antes de chegar próximo de

Helena.

— Allendor! — cumprimentou Helena enquanto já montava na criatura. — Temos uma batalha para vencer. Vamos!

A criatura levantou voo e Helena ficou agarrada nas penas do pescoço.

O grifo voava dando rasantes no campo de batalha atacando alguns inimigos com as patas enquanto Helena tentava se firmar sobre ele.

A visão dela começara a escurecer lentamente.

Sentiu dor no ferimento em suas costas.

Antes de ficar inconsciente ela conseguiu ver a cavalaria do reino vizinho, que eram seus aliados entrando em combate e mudando os rumos da batalha.

Seu trabalho tinha sido um sucesso.

Aquela flecha presa em suas costas estava cobrando o seu preço.

E ela o pagaria.

Conto - Disparos MortaisWhere stories live. Discover now